segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Dispositivo interacional é o que procuramos enxergar na Comunicação

Como encontrar o observável próprio da Comunicação? Há um bom motivo para procurar? A resposta para a segunda pergunta é que, sendo pesquisada por outras ciências (especialmente Sociologia, Antropologia, Lingüística e Psicologia) e atraente ao interesse de todos os campos contemporâneos do conhecimento, a Comunicação se cercou de métodos e conceitos preparados para entendê-la em paralelo ao outras dinâmicas sociais/filosóficas/psíquicas.

O campo é “tema” privilegiado de interface às investigações caras aos cientistas sociais, mas a falta de investimento intelectual nos próprios dispositivos comunicacionais – como objetos de pesquisa em si – já começa a oferecer aos demais ramos do conhecimento percepções superficiais, ultrapassadas e mesmo mitificadas, quando não meramente casuísticas.

Ou seja, a concentração em fenômenos midiáticos independe da celeuma sobre a conquista do status de ciência ou disciplina autônoma. Olhar dirigido, arsenal de conceitos próprios e metodologia apropriada são necessidades epistemológicas de interesse universal.

Universal porque um movimento de “midiatização” é tão evidente na sociedade que é praticada como discurso tanto na ciência quanto no senso comum. Políticos, líderes religiosos e comunitários, militares, desportistas e até a própria mídia crescentemente incluem “mídia” como tema prioritário de estratégias e análises.

Trata-se, portanto, de um processo que supera a idéia de que os meios de comunicação produzem “transmissão” ou “trocas” de informação. Tamanha importância se deve ao fato de que a mídia se tornou o processo interativo de referência, em parte superando e em parte assimilando formas mais tradicionais de interação.

A dificuldade inicial é lidar com sistemas interacionais sem se deixar contaminar pelo patrimônio intelectual já construído sobre esse tema. Se tratamos, por exemplo, de como as identidades são forjadas pelos grupos sociais, poderemos recorrer a uma bibliografia secular da Sociologia e uma jovem, mas frutífera, contribuição dos Estudos Culturais. O que torna a interação contemporânea sui generes é o interposto que, supomos, transforma, direciona, reconfigura, pauta, agenda os processos de sociabilidade e reconhecimento do mundo; é aquilo que parte importante dos pesquisadores vem chamando de “dispositivo”, seja ele “midiático” ou “interacional”.

Tal idéia de dispositivo é, também, fruto de uma apropriação: o famoso conceito de Michel Foucault, aplicado pela primeira vez no contexto da vigilância. Foucault usa o panóptico de Jeremy Bentham (uma prisão circular em que os presos não conseguem ver se estão sendo vigiados) como imagem de um processo subjetivante da vigilância: de tanto serem observados, os indivíduos “internalizam” o processo e passam a agir conforme a vigília.

Esse é um aspecto fundamental e que, na verdade, separa uma leitura meramente instrumental dos meios de comunicação de seu papel como interface prioritária no reconhecimento do mundo. Ou seja, não são exatamente os mecanismos “TV”, “rádio”, “jornal”, “propaganda” ou “internet” que alteram os padrões de sociabilidade, mas a internalização dos protocolos demandados por esses meios. Como diz Fausto Neto (2004), “a midiatização situa-se em processos e contextos históricos e também em percursos de desenvolvimento de alta complexidade que impõem a necessidade de considerar mecanismos de explicação que são atualizados no movimento desses próprios processos históricos, e nos quais se passa o desenvolvimento das técnicas, dos processos e das práticas de comunicação” (p. 2).

Um exemplo dessa afetação da mídia na vida cotidiana é o comportamento de muitos pastores e padres diante de suas assembléias: mesmo quando não estão sob o espectro de lentes ou microfones a) pautam seus discursos conforme agendamentos estimulados pela mídia; b) (e mais importante) se apropriam de linguagens e gestuais configurados primariamente em função das tecnicidades dos meios. (A escolha da comparação com signos religiosos não é gratuita. O cristianismo é, independente de suas diversas vertentes, uma instituição solidamente constituída, depurada ao longo do tempo quanto a influências temáticas ou discursivas. Ainda assim, se transforma a olhos vistos sob a emergência dos dispositivos midiáticos).


BRAGA, José Luiz. Mediatização como processo interacional de referência. In: Médola, Ana Sílvia; Araújo, Denize Correa e Bruno, Fernanda (orgs.). Imagem, Visibilidade e Cultura Midiática, p. 141-167. Porto Alegre, Sulina, 2007.
FAUSTO NETO, Antonio. Midiatização: prática social, prática de sentido. Paper - IECO - Universidade Nacional da Colômbia /Unisinos.PPGCC/ São Leopoldo/ Bogotá, 2005.
FERREIRA, Jairo Ferreira. Uma abordagem triádica dos dispositivos midiáticos. Inédito, 2010.
FOLQUENING, Victor. Afetações do dispositivo interacional nas economias contextuais. II Encontro de pesquisa em comunicação, UFPR, 2010.
FOUCAULT, Michel. A microfísica do poder. SP: Graal, 2007.
KLEIN, Otávio. A gênese do conceito de dispositivo e sua utilização nos estudos midiáticos. Revista Estudos em Comunicação No 1, p. 215-231, 2007.

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