quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Frio na Espinha: Alguém sempre olha os seus pecados


* Publicado no Jornal União, edição 395, terceira semana de agosto.


Não sabe se foi amor ou se foram os hormônios da juventude. Lá no mato, a adolescência chegava na companhia dos primos, todos muito pequenos ou muito velhos, e dos irmãos. Joaquim era um ano mais novo, 13, e era o mais bonito da casa. Logo perderam a virgindade no mesmo colchão que dividiam desde a infância. Ela engravidou seis meses depois.

Os três primeiros filhos nasceram com severas doenças físicas e mentais. O que durou mais foi até os cinco anos. Levina, ela mesma filha do casamento entre primos do primeiro grau, simplesmente não falava sobre o motivo. Os parentes mais velhos morrendo, os mais novos apagando o tabu aos poucos na memória.

Ela se convenceu de que teria um filho de Joaquim e que seria perfeito, forte como o pai, obstinado como a mãe. Um dia, uma tia velha veio visitar a família no barraco pendente num morro do Taquari. Pela primeira vez, alguém falou sobre o assunto. Levina tentou não escutar, mas o que a velha Zezinha intentava não era condenação, mas ajuda. “Tem um óme, lá no Ribeirão Grande, que faz uns trabaio…”

O homem era o Pai Noco, de quem Levina ouvira histórias na infância. Falavam de um dos filhos de Noco, Evandro – que sobreviveu à misteriosa doença ceifadora dos irmãos, mas marcado por uma estupidez cordial, um arrastar de pernas pelas ruelas da comunidade, uma parvalhice que lhe impedia de trabalhar, mesmo passado dos 35 anos. Por um motivo misterioso até agora para Levina, Noco era temido pelas autoridades e, com isso, arrumou um emprego público para Evandro, um cargo de “subprefeito” de Ribeirão Grande.

O fato é que Noco garantiu a sobrevivência do filho, seja como for, embora Zezinha explicasse, com todas as letras, que a moléstia daquela família tinha a mesma origem dos infortúnios de Joaquim e Levina. A mulher de Noco, trancafiada num celeiro a vida toda, longe dos olhos curiosos da vizinhança, era também irmã de seu marido.  Morrera de depressão, dizem à boca pequena. Levou para a cova parte dos segredos arrepiantes de Ribeirão Grande.

Levina foi até a casa de alvenaria, maior do que as lidas de Noco sugeriam proporcionar, fincada numa chácara imponente em meio à pobreza dos vizinhos. Ele a recebeu com os olhos baixos. “Zezinha me disse que viria. Devo favor para ela e só por isso aceitei te ouvir”. Ela então desandou a falar. Nem tomou cuidado com os assuntos proibidos.  Quero um filho como o seu, foi a frase final. Estava na cabeça dela: Evandro é retardado, mas o que é a inteligência? Ele tem cargo importante e até mesmo atrai a cobiça das meninas, interessadas em ser, quem sabe, “sub-primeira-dama”. Se o filho de Levina alcançasse tal êxito, sua vida salpicada de preconceito e culpa alcançaria recompensa, afinal.

Noco disse que seria difícil. Perguntou se ela estaria disposta a qualquer coisa.

Sim, sim, sem dúvida! Qualquer coisa. Do seu ventre sairam filhos de seu irmão, pregados na pouca vida por sofrimentos inimagináveis. Seu coração estava transbordante de pecado. Outro sacrifício diabólico seria pequeno espocar nas chamas da sua condenação. Em troca, traria pelo menos uma criança à luz, um vivente destinado a reinar em seu mundo, seu restrito mas verdadeiro mundo.

“Traga os olhos da dona Zezinha”. As vozes das almas infantis atrofiadas se silenciaram na cabeça de Levina. Aquele gemido dos filhos que nasceram com as vísceras para fora, com a cabeça dividida em duas, aquelas imagens monstruosas que se formaram no chão sujo de seu barraco, arrancados pela parteira horrorizada. Um silêncio para decidir, sem titubear. Ela apertou as mãos e aceitou. As vozes voltaram lentamente, mais lamentosas, mais desesperadas. Tornaram-se gritos quando, ao sair da casa, encontrou Evandro à porta, olhar morteiro, sem dizer uma palavra.

Naquela noite, Levina foi até o sofá, onde Zezinha dormia e fez o que tinha que ser feito. Enfiou uma fronha na garganta da velha e, usando um faca de serra e uma colher, tirou os globos ensanguentados. Nem imaginava como cuidar da mulher depois de cavar os buracos no seu rosto. Não precisou. A hemorragia veio como avalanche e a fraqueza dos 75 anos bastaram para que a vida de Zezinha não durasse mais que poucos minutos.

Livrar-se do corpo, tarefa para depois. Era urgente levar o fruto do crime para Noco. Ele a recebeu cabisbaixo, novamente, e pediu que esperasse em casa. “Terei trabalho lá”, ela disse. Noco levantou a mão, interrompendo: “Não se preocupe, Evandro resolve”. Quando voltou para o casebre, não havia sinal da cena dantesca que havia acontecido horas antes.

O tempo passou e Levina engravidou novamente, mesmo com os protestos de Joaquim, que nada sabia do lúgubre acerto e nem se preocupava mais com o misterioso sumiço da tia naquela noite meses atrás. A gravidez foi um pesadelo de nove meses. Levina sonhava todas as noites com o rosto emburacado de Levina. Mas o som dos bebês na sua cabeça desaparecera.

Veio o nascimento, em casa, feito pelas mãos de uma parteira muda, de pele escamada, indicada por Noco. Levina desmaiou e só voltou a enxergar a luz do dia horas depois. Joaquim foi a primeira imagem no seu despertar. Ele estava com o rosto petrificado. “O bebê não sobreviveu?”, ela gritou. Sim, disse Joaquim, sobreviveu. E está bem de saúde… Porque ele não sorria, então? Uma mulher desconhecida apareceu às costas do marido e disse que todos estavam muito abalados por causa de outra notícia.

“O filho do Noco, Evandro, morreu na mesma hora que seu filho veio ao mundo. Foi um acidente muito feio… um galho de árvore voou em direção aos olhos do rapaz e… é melhor não falar nisso”. Confusa, Levina tentou se concentrar no seu próprio bebê. Pediu por ele. A mulher estranha deu as costas e saiu. Joaquim titubeava. O medo passou a ocupar a confusão mental. “Traga meu bebê!”

O marido saiu do quarto e, pela fresta da porta conseguiu ver o berço, velho e descascado, marcado das unhas das crianças que sofreram ali. Joaquim voltou lentamente, tentando evitar, de algum modo, que Levina visse o que tinha sob o coeiro. Desajeitado, virou a criança um pouco antes que o planejado. O brilho opaco da janela iluminou o pequeno rosto. Levina tentou não acreditar no que via. Desmaiou em seguida.

O bebê era perfeito, com os traços idênticos àqueles que os pais tinham em comum. As linhas herdadas do sangue. Mas não tinha boca. No lugar, havia outro olho. Um olho cinza, morto, mas que se movia como se procurasse reconhecer a própria mãe.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Crônica para salvar jornalismo impresso

Contrabandeei da Ilustríssima de domingo, ontem: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrissima/il2108201104.htm

Veja o que Juan Villoro diz sobre tratar o futebol mexicano como uma crônica da ilusão.


ENTREVISTA

Para além da tragédia

É preciso valorizar a narração de histórias no jornalismo, diz o mexicano Juan Villoro

RESUMO
Para o mexicano Juan Villoro, a imprensa deve repensar a maneira como noticia a violência, sob risco de amplificá-la. Na renovação da linguagem jornalística que propõe para a era da internet, a revalorização da crônica seria análoga à reinvenção da pintura que ocorreu no século 19, com o advento da fotografia.


SYLVIA COLOMBO

A GUERRA AO narcotráfico no México já causou mais de 35 mil mortes, entre ações de criminosos e repressão do governo, desde que o presidente Felipe Calderón assumiu, em 2006. Entre os riscos que um repórter mexicano enfrenta estão sequestros, mortes e ameaças de bomba em redações de jornais.
Para o jornalista, escritor e dramaturgo Juan Villoro, 55, outro desafio jornalístico do momento é discutir como e em que linguagem a violência deve ser tratada na imprensa escrita e na internet.
Professor de literatura na Universidade Nacional Autônoma do México (Unam), Villoro colabora com várias revistas, como a peruana "Etiqueta Negra" e a colombiano-mexicana "Gatopardo", e é colunista dos jornais "Reforma" (México), "El Mercurio" (Chile) e "El Periódico de Catalunya" (Espanha), além de escrever esporadicamente para "El País".
Ficcionista premiado, conquistou o prestigioso Herralde, por "El Testigo" (2004). Também escreve literatura infantil e teatro. Até o final do ano, a Companhia das Letras deve lançar sua primeira obra no Brasil, "O Livro Selvagem".
Villoro falou à Folha em Buenos Aires, onde veio assistir à estreia de sua peça "Filosofia de Vida" num teatro da tradicional avenida Corrientes, e participar de oficina da Fundación Nuevo Periodismo Iberoamericano. 

 

Folha - Você diz que o jornalismo está fazendo muitas concessões à violência. De que modo?
Juan Villoro -
 No México há uma grande discussão sobre como retratar a violência do narcotráfico, mas acho que ela se aplica a vários países, como a Colômbia e o Brasil, por causa do narcotráfico e do crime organizado, e até mesmo a Londres, para usar um exemplo mais recente.
É inevitável que, ao publicarmos notícias e fotos, amplifiquemos o efeito de um ato violento. Penso que há limites que deveriam ser discutidos, sob risco de fazermos mais propaganda da violência e alimentá-la. E o uso da linguagem tem um papel importante nisso.
Por exemplo, em meu país, quando os traficantes dizem que sequestraram alguém, usam o termo "levantado". E os jornais passaram a fazer o mesmo. É um erro, porque se trata de uma expressão que ameniza o horror do fato.
Por outro lado, há uma busca pela audiência, hoje potencializada pela internet, que faz com que tudo o que tenha sangue seja valorizado. A máxima "if it bleeds, it leads" [se sangra, tem destaque] nunca foi tão verdadeira.
O que muitos editores não se dão conta é que, se você busca ressaltar apenas o mais sangrento, corre o risco de provocar uma distorção da verdade, na qual os acontecimentos mais importantes são os violentos.
Na verdade, a violência é sempre consequência de alguma coisa, parte de um contexto que precisa ser explicado.

Você diz que a internet está fazendo com que o jornalismo fique cada vez mais homogêneo. Por quê?
O que constato observando a imprensa europeia, norte-americana e latino-americana é que, mais do que nunca, para os veículos, parece ser necessário publicar aquilo que todos publicam. O acesso quase geral a informações homogêneas curiosamente criou um pânico de sair do homogêneo.
Há um medo generalizado. Os jornalistas não podem se conformar com a ideia de que algo que está na capa de sete jornais não esteja na capa do seu. Então a reação é ir atrás do mesmo. Trata-se de um impulso de sobrevivência.

Isso é bom ou ruim?
Em certo sentido, é bom, porque é mais fácil que todos fiquem bem informados sobre acontecimentos de alcance mais global. Mas a fortaleza do jornalismo não está aí, e sim no oposto disso. O jornalismo pode fazer coisas únicas, tanto no papel como em formato digital, basta que haja investimento. É preciso valorizar a narração de histórias, pois elas dão sentido ao mundo. Creio que, nesse momento de confusão e transição, é preciso recobrar a confiança nos recursos do próprio jornalismo.

Pode dar um exemplo?
É possível aproveitar essa onda de mudanças num sentido positivo. Se é mais fácil hoje obter as notícias que todo mundo tem, por que não usamos menos gente nisso, aproveitando mais o material de agências internacionais? Se economizarmos no comum, é possível fazer com que a orquestra funcione quase sozinha e investir nos solistas, naqueles jornalistas que farão a diferença por sua capacidade de encontrar bons assuntos e narrá-los bem.
Por um lado, é um jornalismo mais caro, gasta-se com a contratação de bons profissionais, tempo, viagens. Mas pense que se poderia economizar em outras coisas.

Por isso a sua defesa da crônica?
Sim. Quando surgiu a fotografia, a pintura recobrou recursos que a diferenciavam dela. O mesmo se passa com o jornalismo diante das novas tecnologias. E a crônica é o melhor recurso que o jornalismo tem para enfrentar esses novos tempos. É a mescla da informação com a emoção, do mundo objetivo, público, com o mundo privado ou íntimo. Por meio dela, ao mesmo tempo pode-se descrever a notícia que afeta uma comunidade e entender sua repercussão individual. E, a partir disso, analisar por que essa notícia transforma a vida de certas pessoas.
Interessa-me defender a crônica do cotidiano, situações, cenas mínimas, um jornalismo colorido que não é o mais urgente nem o mais necessário, mas que sempre permitiu que o jornalismo prosperasse, desde os tempos de Machado de Assis ou Nelson Rodrigues, exemplos brasileiros que adoro.
Mas, apesar disso, as revistas de crônica, que estão na moda na América Latina, como a "Etiqueta Negra" ou a "Gatopardo", sempre amargam dificuldades financeiras.
Sim, é uma situação complexa. A crônica tem muito prestígio cultural. Se você perguntar a um ministro da Cultura, a um empresário ou a um leitor comum se eles gostam de crônica, vão dizer que sim, porque ela evoca o humano, o real. E ninguém vai se dizer contra isso. É diferente com relação ao teatro ou à música clássica, que têm públicos mais definidos.
No entanto, todas as revistas que se dedicam a crônicas têm dificuldades para subsistir. É muito difícil que paguem bem aos cronistas. Muitas, quando pagam, é de forma simbólica e heroica. Além de não terem verba para te mandarem viajar ou para facilitar que você apure a informação.
Outro dia, eu estava olhando o índice de um livro meu, de crônicas. Notei que 80% delas tinham saído em veículos que não existem mais. São publicações efêmeras, suicidas. Nós, cronistas, temos prestígio, mas a nossa transcendência não é tão grande. A saída é escrever muito, para muitos veículos, e escrever livros que tenham potencial de venda, como no meu caso, que faço livros infantis. Eu posso viver do meu trabalho, mas para isso trabalho o tempo todo.
Mas acho que, se me dessem as condições da "New Yorker", eu me sentiria conformado e não faria o mesmo tipo de trabalho. Os cronistas têm certa dose de masoquismo funcional, o que nos machuca nos fortalece (risos).

Em seu livro "8.8 - El Miedo en el Espejo", sobre o terremoto do Chile, você faz considerações sobre a essência dos mexicanos que me fizeram lembrar a busca de Octavio Paz (1914-98) em "Labirinto da Solidão" (1950). É uma influência?
É uma referência. Nesse livro, Paz tenta fixar uma identidade do mexicano por trás das sucessivas histórias que viveu. Foi um exercício muito interessante, que serviu para que o mexicano se reconhecesse em sua diferença.
Essa era a proposta inicial, mas o próprio Paz percebeu que havia algo redutor nessa busca, porque o mexicano não pode ser sempre tipicamente da mesma maneira.
Então ele escreveu um livro, que se chama "Postdata" (1950), em que dinamiza essas questões. Diz que o mexicano não é uma essência, mas uma história. Que não se deve buscar seu verdadeiro rosto, mas entender que esse rosto tem uma história e vai mudando.
Sempre que escrevo, estou em busca das características do mexicano, mas gostaria de pensar que não são características definitivas. Há muitas maneiras de ser mexicano. Hoje, o mexicano típico existe como um recurso folclórico e nada mais.

Em "8.8", você destaca a capacidade, ou mesmo a certeza, de sobreviver.
Exato, porque tomo o exemplo de como sobrevivemos ao terremoto de 1986 e de como essa ideia de superar uma tragédia se incorporou à nossa personalidade.
O mexicano adota no seu dia a dia uma conduta pós-apocalíptica. Vemos a realidade desastrosa, por exemplo na Cidade do México, que é contaminada, insegura e cheia dos problemas conhecidos. Isso nos traz uma série de ameaças tremendas. Mas não as vemos como o anúncio de algo terrível que vai acontecer, e sim como o resultado de algo mítico, que já passou e do qual já nos salvamos. Estamos sempre além da tragédia.
Não passa de autoengano, mas é eficaz. Graças a isso, podemos viver. Pensamos: está tudo muito grave, mas continuamos de pé.

Em um texto para a revista peruana "Etiqueta Negra", você analisou a personalidade e o drama do goleiro alemão Robert Enke, que se matou aos 32 anos. Qual é o elemento dramático do futebol que te atrai?
O futebol me interessa muito, por isso li tanto Nelson Rodrigues. Para um mexicano, o futebol é sempre uma tragédia. Porque adoramos e ao mesmo tempo jogamos muito mal. O México sempre tem um plano "b" nas copas que é torcer para o Brasil. Plano "b" para nós é "b" de Brasil.
Escrever crônicas de futebol no México tem mais a ver com o desejo, com a paixão, do que com grandes vitórias, pois nunca as tivemos. E eu, mais do que um cronista esportivo, sou um cronista da torcida e da ilusão.
O que me cativa é tentar entender por que se enche um estádio, por que as pessoas organizam sua vida de maneira ilusória, por que alguém se esquece do seu aniversário de casamento, mas não de que, nesse dia, Garrincha fez dois gols em não sei qual time.
Para conhecer uma época, temos que entender como as pessoas se divertiam, e a forma de diversão mais organizada do planeta em nosso tempo é o futebol.
Foi por isso que me interessou o drama de Enke, um jogador jovem, que atingiu a fama numa das posições mais difíceis e isoladas. E resolveu se matar.

Ao publicarmos notícias e fotos, amplificamos o efeito de atos violentos. Há limites que devem ser discutidos, sob risco de fazermos propaganda da violência

A crônica é o melhor recurso que o jornalismo tem para enfrentar os novos tempos. É a mescla da informação com a emoção, do mundo público com o privado

Escrever crônicas de futebol no México tem mais a ver com o desejo, com a paixão, do que com grandes vitórias, pois nunca as tivemos. Sou um cronista da torcida e da ilusão



quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Manual de alpinismo social, por Xico Sá.

Tirei da Folha de S. Paulo. Texto publicado anteontem no blog do Xico Sá. http://xicosa.folha.blog.uol.com.br/

Verás que muita gente sua conhecida segue rigorosamente o manual de alpinismo social. Em especial aqueles tópicos sobre metáforas manjadas, ruminações prontas, assassinato da ironia e bajulação. Com destaque para o chorozinho sensível à moda de uma Clarice Lispector, quiçá letrista de Cláudia Leite.

Olhe o twitter: muita gente ensinando como "usar as redes como cartão de visita profissional", na teoria e na prática. E algumas originalíssimas frases de efeito para adoçar o treinamento.

Ideias, que são boas, nem de longe!


15/08/2011
Breve manual de alpinismo social

No celebre conto “Teoria do Medalhão”, o pai aconselha o filho, o abestalhado Janjão, 21, como triunfar na vida, seja no parlamento, na magistratura, na imprensa, na lavoura, na indústria, no comércio, nas letras ou nas artes.

Entre os conselhos, como a arte da bajulação e a queda pelo foguetório da publicidade, alerta o donzelo sobre a esperteza de ter sempre na manga do paletó uma função de reserva, para o caso de não prosperar no ramo profissional desejado.

 “...assim como e de boa economia guardar um pão para a velhice, assim também é de boa prática social acautelar um ofício para a hipótese d que os outros falhem, ou não indenizem suficientemente o esforço da nossa ambição,” soprou o velho para o jovem almofadinha.

O sonho maior é ser um medalhão, mas se não der, por que não tornar-se apenas um bom advogado?...
Se não der em um bom advogado, por que não ganhar a vida como um um rábula de porta-de-cadeia?

O mesmo vale nos dias de hoje nas raias da cultura, do entretenimento e da fama. Não conseguiu emplacar como um bom ator? Ora, grave um disco. Não conseguiu brilhar como cantora? Não faz mal. Tente ser apresentadora de programa infantil...

Faltou financiamento para o cinema? Bem-vindo ao jornalismo.

Baseado na teoria do conto machadiano, este escriba, que acabou nas redações por falhar seguidas vezes no concurso do Banco do Brasil -sonho de toda mãe do interior- deixa seus conselhos, ou melhor, pitacos à bagatela,  para aqueles que procuram fugir do atoleiro das obscuridades, independentemente dos ofícios que adotem:

Nome próprio – Não careces enfiar tantos ll dobrados, kk, ys e quetais, mas é bom que tenhas um batismo artístico curtinho. Em 1942, Mário de Andrade já alertava o então Fernando Tavares Sabino, que derramara no papel os primeiros contos, a cortar um dos sobrenomes. Dito e feito.

Ideias – “O melhor será não as ter absolutamente”, como diz o pai do Janjão, o mancebo citado ai acima.

Ironia – Eis o ímã para chamar inimigos e puxadores-de-tapete aos borbotões. Nem diante do espelho deves ensaiar este movimento de canto de boca, recurso inventado, segundo o pai de Janjão, por algum grego da decadência.

Frases feitas -  Abuse destas. Por que chaplinhar no lodo das locuções próprias se podemos ofertar aos ouvidos alheios sentenças consagradas, decifradas, redondas, macias e compreensíveis?

Citações – A depender do auditório. Como todo bom mineiro sabe, em terra de sapo... de cócora com ele. Em um ambiente sério e respeitoso, Shakespeare, sempre Shakespeare; entre mulheres e gays, Wilde, muito Oscar Wilde...

Importante: não te apresses a dizer o nome do feliz proprietário da frase, omita-o. Para quem sabe a autoria, não haverá nenhum pecado nisso; e aos ouvidos dos tolos, soará como uma boutade de sua mente privilegiada. Arrancarás suspiros!

Metáforas – Somente as ululantes. Abre-se uma exceção para aquelas de origem no  futebol, no ludopédio. 

Bajulação – Não te limites a acariciar os chefes, críticos e demais pessoas que possam te ajudar neste alpinismo profissional apenas com os adjetivos da submissão e da mesquinhez.

Mimos retóricos não bastam -nem mesmo quando embutem um certo jabá do erotismo e do assédio. Estas criaturas-degraus devem ser tratadas a pão de ló e caros presentes, não te envergonhes e trate-os além muito além das tuas próprias posses.

Metafísica de mulherzinha – Excelente, indispensável. Trata-se daquele discurso pseudo ou sub-Clarice Lispector, com um pouco de sub-Fernando Pessoa, com o qual, sendo tu fêmea ou não, escriba ou não, narras as tuas dúvidas e inseguranças mais comezinhas, teus lunduns telefônicos, teus queixumes de banheiro, tuas incomunicabilidades de TPM, teus eus perdidos que enchem o saco de todos os nossos outros eus.

Boa sorte na escalada!

sábado, 13 de agosto de 2011

Rossi sobre livro de Garton Ash, hoje na Folha de S. Paulo


CRÍTICA ENSAIOS

Livro de Timothy Garton Ash une erudição e jornalismo

"Os Fatos São Subversivos" narra acontecimentos marcantes da década

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Este é um daqueles raros livros que agarra o leitor já nos dois primeiros parágrafos do prefácio.
Timothy Garton Ash, um dos intelectuais mais na moda na mídia europeia, começa repetindo o título do livro ("Os fatos são subversivos"). Logo depois emenda: "Se tivéssemos conhecido os fatos sobre as supostas armas de destruição em massa de Saddam Hussein, ou simplesmente como eram frágeis as informações sobre elas, o Parlamento britânico talvez não tivesse aprovado a ida à guerra no Iraque. Talvez até os Estados Unidos tivessem hesitado. A história desta década poderia ter sido diferente".
É fascinante imaginar a hipótese de se reescrever a história de uma década que teve de tudo, dos atentados de 11 de Setembro, no seu início, até a morte de Osama bin Laden, no fim.
Por isso mesmo, o leitor acaba compelido a percorrer as 434 páginas do livro para acompanhar outros "fatos subversivos" mundo afora. Quando digo mundo afora, não é figura de linguagem. Garton Ash é daqueles intelectuais que não fica preso à torre de marfim da academia. Vai à rua, pisa poeira (por exemplo, nas ruelas do Real Parque, favela paulistana, ou da Cidade de Deus, no Rio de Janeiro), aplica na prática a sua teoria de que "não há nada comparável a estar no próprio lugar" [dos fatos].
Sua profissão, mais do que a de professor de estudos europeus na mitológica Universidade Harvard, é o de "historiador do presente", aparentemente uma contradição em termos. Historiador trata do passado. Jornalista é que trata do presente.
"Historiador do presente", expressão que o livro atribui a George Kennan, combina erudição e jornalismo, escreve o autor. No caso dele, combina bem.

LIBERAL
Sua "história do presente" visita um bom punhado de acontecimentos e países que marcaram a década. 
Para torná-la ainda mais do presente, o primeiro capítulo é dedicado à "estranha derrubada de Slobodan Milosevic", o facínora sérvio. Parece passado, mas um passado reencenado ainda neste ano, com a prisão de dois outros criminosos sérvios de guerra, o general Ratko Mladic e Goran Radzic.
Além de historiador do presente, Garton Ash foi suficientemente prudente para descartar textos que contivessem predições e/ou prescrições, "ambas receitas para a lixeira", como diz. Ficou em descrição e análise, que "talvez durem um pouco mais". No geral, duraram, sim, com as exceções inevitáveis em qualquer recopilação.
O autor não é neutro ideologicamente. Diz-se "liberal", mas não no sentido ultra que ganhou a palavra, quando acoplada ao prefixo "neo". Garton Ash gasta, aliás, três páginas para explicar o seu liberalismo. Nem precisava.
As três primeiras linhas do capítulo que leva esse nome bastam para que o leitor entenda sob que ângulo o autor escreve: "Governos e mercados têm ambos seu lugar numa sociedade, sugeriu o presidente Barack Obama em seu discurso de posse, mas podem se transformar numa força do mal se não tiverem restrições".
De novo, a definição é atualíssima, à luz do imbróglio armado nos Estados Unidos a propósito da elevação do teto da dívida e do ajuste fiscal que deveria acompanhá-la.

OS FATOS SÃO SUBVERSIVOS
AUTOR Timothy Garton Ash
EDITORA Companhia das Letras
TRADUÇÃO Pedro Maia Soares
QUANTO R$ 59 (432 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Orelhudo!

A única vantagem de ser tão gordo como sou agora - com 84 quilos contra os 68, mais ou menos, da época da faculdade - é que não pareço tão orelhudo.
Achei esses recortes enquanto procurava outra coisa e me bateu uma saudade desse pessoal.
Renato Biondi, Sebastião Natálio, Daniel, Cíntia, Cleide Luciane, Marcelo, Wanda... salvo Cíntia e Cleide Luciane, não tenho muita certeza do destino dos outros. Essa moça bonita, primeira da segunda fila: dei um tapa memorável de mau ator nela durante um ensaio de "Bonde Chamado Desejo". E todo mundo aplaudiu! Realismo de zoológico!
92! Nessa época a Maura Martins e o Rafael Schoenherr eram pré-adolescentes.
Eu estou miseravelmente velho.
Até quando assumi a Comunicação da prefeitura de Ponta Grossa era outra pessoa. Delegado do sindicato!! Se tem alguém que não combina com sindicato, esse sou eu.
Enfim, good times.




quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Duelo entre Walton Goggins e Tymothy Olyphant

Não me impressiono tanto com Olyphant (de chapéu), talvez porque repita trejeitos do xerife em Deadwood, embora isso só traga boas recordações. Mas admiro muito mesmo assim. Walton Goggins (o outro, claro) é sensacional. A construção da identidade do personagem, incluindo aí a fala melodiosa e matreira, é uma aula. "Longe de mim ensinar sobre sua profissão, marshall..."



Aqui é um trecho do episódio 11 da primeira temporada de Justified. Peguei aleatoriamente, mas percebo agora que foi escolha feliz por causa do texto. Elmore Leonard no backstage, o que garante a proposta de sacrifício conclamada no final da sequência.


segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Esporte será tema do encontro Jornalismo-Literatura



Esporte será o tema da próxima edição do Encontro de Jornalismo e Literatura, organizado pela professora Maura Martins na UniBrasil. É nosso evento mais glamouroso, já prestigiado por estrelas como Eliane Brum, José Hamilton Ribeiro, Marcelo Canellas e Anna Azevedo, autora do cult local "Dinamite".

Vou aproveitar e incentivar os alunos a boas leituras no ramo. Reportar esporte é um missão que continua desafiando alguns dos melhores jornalistas do mundo. Magnetiza até gente talentosa (também) em outros ramos, como Frank Sinatra, flagrado na imagem aí no topo enquanto cobria para a revista Life, ao lado de Norman Mailer, a "Luta do Século" entre Muhammad Ali e Joe Frazier

Ao preparar aulas para a disciplina de Redação-Revista, que ministro ao alunos do sexto período de Jornalismo da UniBrasil, fiz uma lista baseada unicamente em exemplares visíveis da minha estante.

Mas vale a pena mesmo olhar esse conteúdo: uma lista das “melhores reportagens esportivas de todos os tempos”, selecionada por notável repórter da ESPN ianque:
http://www.themillions.com/2008/10/best-sports-journalism-ever-according_12.html 

Assim como na minha lista seguinte, nota-se que futebol americano pode ser o esporte mais popular, mas é o boxe o grande fetiche da imprensa estadunidense.

Uma breve lista de indicações:

BUFORD, Bill. Entre os vândalos. SP: Companhia das Letras, 2010.
KAPUSCINSKI, Ryszard. A guerra do futebol. SP: Companhia das Letras, 2008.
KRAKAUER, Jon. No ar rarefeito. SP: Companhia das Letras, 2009.
MAILER, Norman. A luta. SP: Companhia das Letras, 2002.
REMNICK, David. O rei do mundo. SP: Companhia de Bolso, 2011.
RODRIGUES, Nelson. À sombra das chuteiras imortais. SP: Companhia das Letras, 2010. (são crônicas e não reportagens, mas é uma leitura fundamental)
SCHAAP, Jeremy. Homem cinderela: James J. Braddock, Max Baer e a maior reviravolta da história do boxe. RJ: Objetiva, 2007.

Textos em coletâneas:
MITCHELL, Jonathan. Joe Louis jamais sorri. 
MORRIS, James. A conquista do Everest.
KRAKAUER, Jon. Morte no topo do mundo.
Estes últimos três em: LEWIS, John E (org). O grande livro do jornalismo. RJ: José Olympio, 2008.
TALESE, Gay. O perdedor.
TALESE, Gay. Joe Louis: o rei na meia idade. 
Os dois últimos estão em TALESE, Gay. Aos olhos da multidão. SP: Exped, 1970.
REMNICK, David. Kid Dinamite explode: Mike Tyson.
REMNICK, D. Treinador: Teddy Atlas.
REMNICK, D. Retorno: Larry Holmes.
REMNICK, D. O moralista: Lennox Lewis.
REMNICK, D. O aperto de Tyson.
Os últimos cinco em REMNICK, David. Dentro da floresta. SP: Companhia das Letras, 2006.
PEARL, Daniel. Corrida de demolição: esporte sem lei ganha algumas regras. Em: PEARL, Daniel. Cidadão do mundo. SP: Landscape, 2003.
MÁRQUEZ, Gabriel García. O tricampeão revela seus segredos. Em: MÁRQUEZ, G. G. Textos andinos: obra jornalística 2 (1954-1955). RJ: Record, 2006.
NORONHA, Luciana. Futebol que se joga na rua. Em: VILLAS BOAS, Sérgio (org) Jornalistas literários. SP: Summus editorial, 2007.