segunda-feira, 25 de julho de 2011

Matéria da Folha sobre constrangimento cristão

Matéria na Folha de S. Paulo de hoje.  Há algo de repetitivo aqui, mas perceba a habilidade da repórter em demonstrar a pobreza intelectual, espiritual e estética a que a juventude se entrega - ou é incentivada a se entregar. Acho que as novelas do Padre Brown, de Chesterton, fariam melhor à Igreja Católica do que oito milhões de Jesus Camps alucinógenos. Amigo cristão, se quer uma opinião de alguém que cresceu no cruel, mas estranhamente enobrecedor, relicário da culpa católica: fuja dessa bobagem marketeira para "conquistar fieis" antes que seja tarde demais - antes que se unir ao Ronald McDonalds se torne tolerável. Antes que façam um Crepúsculo Cristão (embora já o seja, para falar a verdade).




ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER 
ENVIADA A CACHOEIRA PAULISTA (SP)

SEXTA 12H
Viajo 200 km para o que promete ser uma versão carola de Woodstock: 48 horas acampada ao lado de 100 mil jovens católicos, com direito a fila para banho, frio na barraca e padres tratados como rockstar.
O evento, que se chama PHN (Por Hoje Não), de "por hoje não vou pecar", é da Canção Nova, movimento que tenta modernizar a igreja.
Na porta, jovens ziguezagueiam no skate em direção a três meninas com short jeans curtinho. Nenhuma se faz de rogada. É como desembarcar numa micareta para Jesus.

SEXTA 13H
O missionário Ricardo Sá, 49, de blusa apertada e cabelo brancão, um Lulu Santos da cristandade, prega para dezenas. Defende que sexo fora do casamento é pecado. Às damas, pede paciência: "O amor não está no bar da esquina".
É ele o idealizador do grupo virtual Namoro Cristão, um Par Perfeito para católicos. Você preenche um perfil e troca ideia com outros usuários.
Ricardo diz que dá "uma forcinha para os solteiros que querem namorar alguém com os mesmos valores".

 

Karolyne, 16, acena com entusiasmo à pregação. O namorado dela não é cristão. "Vim buscar fundamentos para ter um namoro santo."
Ela e a amiga Paola, 17, vieram de São Gonçalo (RJ) para o PHN. Nesse mega-acampamento em Cachoeira Paulista (SP), o objetivo é dizer não a drogas, álcool, sexo...
"...mas aqui dá de tudo!", diz Paola. "Os meninos comentavam: 'Pô, você acha que no meio do mato não vai rolar nada?'. Muita menina dá mole."
Elas também reclamam da presença de "coisas estranhas". Paola está injuriada. "Tem muito gay, e a igreja é contra o homossexualismo... E o povo com aquela roupinha colada, cabelinho na cara... Tá fazendo o que aqui?"

SEXTA 16H
Encontro Gabriel, 18, perto de uma cruz gigante e iluminada. Com franjão e bermuda justa, ele se diz gay e não está nem aí para os cochichos do povo. "Alguns falam: 'Nossa, que pecado ser assim'. Mas pecado seria se estivesse fazendo algo errado dentro do camping."

SEXTA 17H
Procuro um canto para a barraca. Cada um no seu quadrado: o camping é dividido entre meninos, meninas e famílias.
Minhas vizinhas se divertem com o funk "Sou Foda" no celular. Rezo por uma boa noite de sono, mas algo me diz que as preces não serão atendidas.

SEXTA 18H30
Num galpão, acontece um campeonato de b-boys dançarinos de break que giram com a cabeça no chão e pernas pro ar. Saúdam Jesus como "o b-boy de todos os b-boys", pois só Ele "faz movimentos radicais na alma".

SEXTA 21H
Mais de um grupo me fala do famoso tubão: truque de misturar vodca barata no refrigerante para dar olé nos seguranças o álcool é vetado no PHN.
Encontro uma ou outra garrafa PET suspeita no camping. Por perto, copinhos com um líquido nada bento. Os donos desconversam. Quem quer beber, eles contam, vai para uma praça próxima à Canção Nova.
É lá que conheço quatro amigos, de 15 a 17 anos. Na mesa, guaraná Dolly "não batizado", juram. Só um namora. O resto está atrás "de pegação".
"E você, não quer sentar e tomar guaraná?", me pergunta o mais saidinho. Rio, recuso e vou embora, não sem ouvir um "o guaraná não está batizado!".

SEXTA 22H45
Esbarro com o mesmo grupinho na sede, mais cabisbaixo. Pergunto do placar com as meninas. Todos zerados.

SEXTA 23H
Para ser funkeiro cristão, tem que ter disposição, tem que ter habilidade. No auditório, em vez de "créu", a galera balança o popozão: "Céééééu, céééééu". Um MC emenda: "Bate na palma da mão quem tem Jesus no coração!".

SÁBADO 1H
Quando vejo jovens jogados no chão, imagino o pior. No mínimo, o tubão trouxe uma ressaca de 40 dias e 40 noites. Mas não. Só estão em "repouso".
Funciona assim: um aprendiz de missionário encosta um terço na testa das pessoas. Diz que o Espírito Santo as tocará. De olhos fechados, elas são deitadas no chão. A maioria descreve ter visto "um clarão".
O rapaz sugere que eu passe pela experiência. Fecho os olhos, sou instruída a me entregar a Deus, deitam meu corpo e... nada. Mentira: tem a câimbra chatinha na perna. "Você não se entregou", ele diz.

SÁBADO 2H
Um dos hits do PHN rola de madrugada: um luau com centenas de jovens. Ontem, conta o missionário que lidera a farra, teve "a libertação". No rito, todos devem jogar fora os seus pecados. Houve quem se desfizesse de camisinha, maconha e até pedras de óxi, diz.
Muitos vão dormir às 4h. Acordarão logo mais para pegar a primeira atividade do dia, dali a quatro horas. Não sem peso na consciência, premedito o pecado da preguiça.

SÁBADO 10H
Levanto no pulo com uma voz convocando para a missa das 11h. Encaro 20 minutos na fila para a ducha quente (em horários de pico, há espera de até três horas e meia). Algumas meninas se descabelam em busca de tomadas para chapinha e secador.

SÁBADO 14H
Quarenta minutos na fila do refeitório, mas o rango é show: R$ 7 pelo pratão de arroz, salada e carne com gosto de carne.

SÁBADO 14H30
No centro de evangelização, quase 70 mil pessoas cantam, dançam e deliram com o missionário Adriano Gonçalves, 28, autor de "Santos de Calça Jeans". Moderninho, o livro usa Homer Simpson e Chapolin Colorado para falar de religião.
"Tem quem ache que Deus vai descer do céu como Super-Homem!", Adriano brinca. Ao fundo, a musiquinha do herói do cuecão vermelho.

SÁBADO 22H30
Os shows seguem, e vou comer. Meia hora de fila. O garoto na frente paga seu lanche de R$ 6 com moedas de dez centavos. Treino a paciência cristã.

DOMINGO 11H
Bem menos carrancudo do que seu xará do futebol, o missionário Dunga, 43, criou o PHN há 13 anos. Com sua positividade, me lembra um Bono Vox da igreja.
Quando jovem, estava mais para Keith Richards: "Dos 14 aos 19, cheirei cocaína, usei maconha". Até ter "uma experiência com Deus". Por isso, Dunga acha bom que uma certa juventude transviada vá ao PHN, mesmo que para zoar, e descubra a cristandade por tabela. "Queremos essas pessoas aqui!"

 

Filipe Santos, 23, é filho de Dunga. Nunca ficou de porre e diz que vai esperar o sexo depois do casamento está noivo.
Ele cresceu na Canção Nova, onde cerca de 400 pessoas moram como numa comunidade hippie sem sexo, drogas... ...mas com rock 'n' roll. Filipe toca baixo em uma banda de rock cristão. Ao saber que Beatles ocupa seu altar musical, lembro que não era exatamente hóstia que John Lennon gostava de ingerir.
Ele pondera que ir contra o sistema, hoje, pode ser justamente abraçar o bom-mocismo. E que não há nada de errado em louvar o Senhor com barulheira. "Construímos essa imagem de que igreja é coisa de velho. Mas não é."

DOMINGO 12H 
O acampamento, que recebeu os primeiros participantes já na quarta-feira, começa a ser desmontado. Pego a estrada de volta a São Paulo. Não consigo deixar de pensar naquele hit da Banda Mais Bonita da Cidade. "Meu amor, essa é a última oração..."

PAQUERA
Começa de leve no dia e engata de vez ao escurecer: em pracinhas e arredores da Canção Nova, meninas de chapinha e maquiagem respondem a flertes dos rapazes, numa cena típica de balada

HIP-HOP DE JESUS
Competição de b-boys (dançarinos de break) cristãos não tem gesto obsceno e letra pesada. Palmas são pedidas para 'o b-boy de todos os b-boys', Cristo, 'o único que faz movimentos radicais na sua alma"

CAMPING
Como numa versão light e bem mais casta de Woodstock, a galera se divide em homens, mulheres e famílias. Os mais jovens se espremem nas barracas, fazendo valer a máxima"onde cabe um, cabem dois"

RANGO
Filas para o bandejão podem durar até duas horas. Outro hit é o marmitex: geralmente com carne, batata frita e arroz

É SHOW
Padres e missionários recebem tratamento de rockstar no centro de evangelização, um galpão para 70 mil pessoas. É lá que acontecem as missas e megashows, com direito a rock cristão

LEGIÃO SANTA
O luau atrai centenas para uma roda gigantesca no meio da madrugada. Muita cantoria e ritos como "a libertação", em que jovens são convidados a jogar fora seus pecados: de camisinha a maconha

"Quem aqui dança break? É Jesus quem quebra tudo: maldições, corações duros... Ele é o b-boy de todos os b-boys"
MC cristão para a trupe de break dance

terça-feira, 19 de julho de 2011

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Noites de inverno

Fui a um hotel rural esses dias e os camaradas fizeram fogueira e distribuíram vinho à vontade.
Era um evento da RPC.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Imagens do cemitério da Jaguatirica

Fica quase na divisa com São Paulo.
Em uma encosta, tendo como vizinho o Morro da Jaguatirica e ruas esburacadas onde, só na semana passada, nove jovens adultos foram assassinados.
O coveiro se chama Jango. Ano passado ele teve uma ideia da qual se orgulha muito: plantar grama em toda a extensão da ladeira que serve de cemitério desde os anos 30, quando os inúmeros natimortos não-batizados precisavam de palmo de terra para passar a eternidade.
A grama evita que os corpos brotem do chão durante as chuvas e se arrastem, misturando-se ossos, panos, alguma carne, na parede que encosta na igreja.
Os alunos da escola ali perto sempre ouvem crianças chorando, lamuriando tristemente, na madrugada.
E contaram a história que foi publicada nessa semana no Jornal União, de Campina Grande do Sul.
A história e algumas fotos: www.jornaluniaoextra.blogspot.com

E aqui, o repórter arrastando o portão enferrujado, em foto de Brayan Giacomitti.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Agradecemos pelo belo presente!

Como você sabe, "machado" (axe) é uma gíria para pênis lá na gringolândia.  Suspiro fálico reforçado pelas flechas eretas adornando as letras Butch Yelton and Upbound.
Quanto ao disco seguinte, podemos afirmar que Deus nos dá coisas preciosas e muito úteis, por isso o agradecimento.
Também tem o camarada que nos aproxima de Deus dando a Ele uma inequívoca qualidade de combate.
E essa banda de heavy metal do Senhor? Dedicou o disco para aqueles que não aceitaram Jesus... ainda! Saque o olhar redentor do sujeito no meio. Maquiagem sutil, aliás.
Enfim, com esse sorrisinho maroto, e se eu fosse uma mulher... como é??





O médico multiplicador de almas

Olha essa da coleção "Capas gospel inesquecíveis". Dr. Roy Anderson Jr. e o Trio Tyler. "Lord, let us walk by faith".
Os mistérios da alma se revelam nessa poética imagem cristã.
Qual desses é o "doutor" Roy Anderson Júnior? O que significa essa roupa de maestro dos filmes musicais dos anos 20? É uma flor desfocada no primeiro plano? Papoula?
Na outra foto, percebemos um trio tão abençoado pelo Senhor que é formado por cinco pessoas. Para onde eles estão olhando? Por que só o cadeirante está sorrindo? Será que ri da ironia que envolve o título do disco e sua situação pouco, digamos, caminhante?
Supondo que o Paul Whiteman magrelo ali do lado seja o regente do trio, por que separaram os personagens?
Doutor?

Christian Crusaders encontraram Al Davis para louvar o senhor com  suas vozes devotas. Mas... quem é Al Davis? Al Davis é nome de homem. Será o anão? Será o rapaz cuja aparência se destaca pela bela covinha na bochecha? Será o tímido, mas severo, sujeito que insinua sua presença projetando delicadamente a pélvis? Al Davis é a mulher (?) prestes a encostar no colo do pequeno ajudante cuja mão some no mistério? Será a mulher um boneco de ventríloco?

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Frio na Espinha # 2: Ria, Armínio, ria!



No início dos anos 70, a pensão de dois andares ainda existia a uma quadra do cemitério municipal de Campina Grande do Sul.  No andar de cima, num quarto voltado para o portão dos jazigos, vivia provisoriamente o vendedor Armínio Cavalari, que aos 25 anos aproveitava a solteirice e o charme de forasteiro para encantar as meninas da cidade.
Uma dessas garotas era Lélia. Com um jeito de que não se importava muito, a professora se tornou a favorita de Armínio. Talvez porque se fizesse de difícil. Talvez porque alguma coisa muito misteriosa se passava quando, depois de se encontrarem na sorveteria nas tardes quentes de verão, Lélia ficasse em profundo silêncio, olhando tristemente para os olhos de um tagarela Armínio, ansioso por mostrar o quanto era viajado e esperto.
“Nunca vou sair daqui”, era tudo o que ela dizia. Em resposta, o vendedor fazia ecoar a sua conhecida gargalhada, tomava um gole de refrigerante, e soltava alguma frase de efeito do tipo “ninguém quer sair de uma cidade em que você mora”.
Numa ensolarada manhã de domingo, Armínio acordou tarde, ainda sorrindo com o sucesso que fizera horas antes. Passou a madrugada em um baile no famoso “Salão da Amisade”, com “s” mesmo, em um canto perto da Barragem. Dançou e bebeu como se fosse um príncipe. Sentia que chegou na pensão por milagre, a bordo de um fusquinha 66 com menos combustível que seu fígado.
Mas estava faltando alguma coisa… A carteira? Não, estava no bolso do paletó xadrez que, acreditem, fazia sucesso naquela época. A chave do carro? Achou na penteadeira. Lá na portaria, tocou o telefone. Dona Nena, proprietária da pensão, passou a ligação. Lélia!
- Ai, Lélia, tudo bem? Puxa, eu esqueci de você, broto! Saí tão bêbado de lá que...
- Você me abandonou...
- Juro que nunca mais vai acontecer. Como conseguiu chegar em casa?
- Me abandonou!
Tranquilo como sempre, Armínio considerou o esquecimento um incidente menor. O dia estava lindo, ele sabia que seu talento na pista de dança seria assunto na cidade a semana inteira. “Com o xaveco certo, já dobro essa gatinha”, pensou. E resolveu abrir a janela para respirar o ar fresco de Campina. Além do céu azul, percebeu logo que um cortejo começava a entrar no cemitério. Não conteve a gargalhada.
- Ahahahah! Só comigo mesmo... Escuta só, broto. O dia está lindo, a festa estava maravilhosa, você liga para mim de manhã, coisa que nunca faz! Tudo perfeito! Aí abro a janela e vejo... um cortejo! Alguém morreu só para atrapalhar nossa festa.
- Você me abandonou – disse Lélia, e desligou.
Armínio deu de ombros. Estava acostumado com o jeito misterioso da namoradinha. Além do mais, ficou curioso. Certamente o defunto era conhecido. Naquele tempo – como ainda é hoje – todo mundo conhece todo mundo em Campina Grande do Sul.
Desceu as escadas em saltos. “Nem ressaca”, comemorou. Atravessou a rua e rapidamente se misturou às dezenas de rostos chorosos. Ninguém parecia olhar para ele. Um ou outro desviava o olhar, como se estivesse magoado.
- Quem é o presunto? – perguntou a um adolescente no final do cortejo. Não recebeu resposta, a não ser um olhar fulminante de desaprovação.
Armínio apertou o passo e chegou ao caixão antes que o enterro começasse. Perguntou mais três vezes sobre o passamento, mas ninguém lhe dava atenção.
Até que se deparou com o envidraçado da tampa. Queria gritar, mas o que aconteceu foi o contrário: saiu uma risada nervosa, misturada com lágrimas, com desespero, com incredulidade. Lélia era a morta dentro da urna. Finalmente alguém resolveu lhe dizer alguma coisa:
- Foi encontrada de madrugada, na rodovia. Um pescador ia para a represa e viu a professora caindo ou sendo jogada de um Fusca...
Aquela risada louca que tomou conta do cemitério foi a última que Armínio deu na vida.