quinta-feira, 30 de junho de 2011

Jesus, me use


Todos os gêneros musicais possuem suas obras primas estéticas.
É uma pena que o fim do vinil como veículo principal da música empalideceu a arte das capas. Quando a capa é muito legal (ou muito, muito ruim), nem ligamos para o som eventualmente tenebroso que ela guarda.
Sou fanático por capas. Tenho alguns livros que reproduzem obras-primas, como as coletâneas da Blue Note e Prestige, especializadas em jazz, fotos de outras nem tão bonitas assim, além de centenas de vinis, muitos originais dos anos 50 ou antes.
Aqui uma pequena coleção de capas esplendidamente horrorosas. A temática gospel é o prato do dia. O mais divertido de discos cristãos é que muito provavelmente ninguém tinha a intenção de promover ambiguidades do tipo "Deixe-me tocá-lo".
Meus favoritos são os últimos: o padre estilo Nick Holmes e a capa mais deprimida de todos os tempos.







segunda-feira, 20 de junho de 2011

Cinco matérias policiais não-publicadas

Era final de semana, mas parecia Sexta-feira 13

O que aconteceu no começo de junho definitivamente vai ficar marcado para sempre na cabeça de Osmar Adriano Ribeiro. Ele tentou separar uma briga que envolvia Davi Ribeiro Lopes, um frentista muito ciumento, e Cláudio Ribeiro Silvério, o novo namorado de sua ex-mulher.
Davi cisma que tem um problema na própria testa e acabou acertando um golpe de facão na testa do Cláudio, que pelo jeito não tinha nada a ver com a história. Katia Charline de Souza foi casada por cinco anos com Davi, com quem tem um filho de quatro anos. Por causa do ciúme do marido, eles acabaram se separando. Ou seja, Katia é livre e desimpedida.

Mas o frentista não pensa assim. Ele ainda está inconformado com a separação. Além disso, segundo Katia, paga apenas R$ 200 dos R$ 300 determinados pela justiça como pensão alimentícia. Depois do final de semana que parecia filme da série de horror Sexta-feira 13, Davi andava pelo bairro Ribeirão Grande, em plena segunda-feira 13, e encontrou Katia. Lascou-lhe um tapa no rosto, deixando uma marca na reconhecida beleza e juventude da ex-mulher. Ah, o frentista fará 41 anos em julho. Kátia tem 22.
Katia não se fez de mulher de malandro e chamou os policiais militares, que encaminharam o furioso para a delegacia. Davi foi enquadrado em flagrante pela Lei Maria da Penha. O ex-delegado já havia pedido a prisão preventiva em janeiro, quando outro episódio de violência e perseguição tinha sido relatado. Mas o judiciário negou a preventiva e determinou apenas medidas protetivas. Dessa vez, o delegado Gerson Machado torce para que a Justiça não dê outra chance para o azar. Ciúme não precisa nem de motivo, pois, como lembra o personagem Otelo, de Shakespeare, “o ciúme é um monstro que a si mesmo gera e de si mesmo nasce”.

Preso maior traficante de pó da região. Sabão em pó.

Sujou para o vendedor de sabão em pó. Marcos Aurélio Alves, 47 anos, balconista da farmácia instalada no posto de gasolina Alpino 1, foi abordado pela polícia rodoviária quando dirigia o Corsa de placas AGX 9406. Aconteceu no dia 15.
Marcos não tinha habilitação, mas tinha 17 fardos de sabão em pó marca Ace. Sem nota fiscal, o balconista diz ter comprado a carga de um caminhoneiro que não conhece nem sabe localizar. Teria pago R$ 600 pelos 15 fardos com 18 unidades de um quilo e 2 fardos com 4 unidades de 4 quilos.

Quer dizer, tentou ser liso como um sabão. Mas a Polícia Civil não deslizou na conversa e disse que a história é “inverídica e mentirosa”, para deixar bem claro que não engoliu o papo. A “verdade e coisa certa” é que Marcos foi autuado em flagrante por receptação e sonegação fiscal. Sonhava chegar mais alto do que ser balconista no Alpino e agora vai precisar de mais do que sabão para limpar o nome.

Onde os caminhões tombam

Se você tem um caminhão e carrega cerca de meia carga, evite passar de madrugada pela curva no km 32 da BR 116. Bom, pelo menos evite se você não quiser tombar a carreta e ver o conteúdo ser saqueado por pessoas que aparecem em poucos minutos e saqueiam tudo, aproveitando a “coincidência”. Como ninjas, somem em seguida sem deixar rastros.
No dia dos namorados, aconteceu de novo. Um caminhão com material de construção tombou, o motorista saiu andando e não pode evitar que quase tudo fosse levado embora pelos vigilantes cidadãos à margem da rodovia.
Dessa vez, Moacir Gomes Ferreira, 22 anos, ficou praticando o saque enquanto os parceiros se mandavam. E a Polícia Rodoviária Federal chegou, olhou e prendeu o rapaz, que estava literalmente com a mão na massa – ou pelo menos no material de cimento. Segundo os policiais, Moacir foi detido com quatro caixas de ferramenta vazias, uma peça de banheiro e vinte e quatro baldes de pedreiro. Foi para o xilindró, acusado de furto simples.
A hipótese da Polícia Civil é que uma quadrilha provoca os acidentes. Com óleo na pista, por exemplo. E os investigadores não descartam a possibilidade de que alguns motoristas estejam “mancomunados” com os saqueadores. Na tarde do dia 16, a advogada de Moacir chega na delegacia, providenciando a soltura logo em seguida. Para o irmão do suspeito, o garoto é só um bode espiatório.
A carga roubada no varejo estava avaliada em R$ 19.497,84, sendo transportada por um caminhão Mercedez Benz 1938S, placas MBV 0030.

Jardim não tem mais Paulista


Três de março de 2010. 2h35. Avenida Anibali Ferrarini, 400. Jardim Paulista. Jacson James Pinheiro, 37 anos, é morto com um disparo de revólver. O assassino foge em uma motocicleta. Várias pessoas testemunham.
19 de novembro de 2010. Rua Constantino Ferrari, 364. Policiais chegam com mandato de prisão temporária na casa de Edson Rodrigues de Souza, 21 anos, e de busca e apreensão de uma arma, que teria sido usada para o crime. Edson, conhecido como Paulista, foi apontado por diversas das testemunhas como autor do homicídio.
Mas ele não estava. E desde então não foi encontrado. Nem a arma.
13 de junho de 2011. Delegacia de Campina Grande do Sul. Depois de escapar de mais uma visita dos investigadores na semana anterior, Paulista se apresenta. O mandato de prisão é cumprido.
Agora as testemunhas serão chamadas e o processo deve correr até que, enfim provada a autoria do crime, Paulista deixe de ser figura de destaque no Jardim que leva seu apelido. Lei e ordem CGS.

“Tio na polícia” não salva mosqueteiro


Certamente você já ouviu gente que fala assim: “Não vai acontecer nada comigo porque tenho um tio na polícia”. Mas dizer isso não ajudou em nada o Dartagnan Gomes Duarte, 23 anos, que foi preso na última sexta-feira por bater na namorada e mantê-la presa em casa como se fosse um bicho.
Os policiais Rocha e Elizeu foram até o Bairro Japonês e imobilizaram o valentão, que ficou batendo boca com as autoridades até ser trancafiado na delegacia. Não adiantou chamar nem os três mosqueteiros: Dartanham vai responder por violência doméstica familiar e cárcere privado. A vítima, Lorena Padilha Garcia, 20 anos, contou que se enamorou e foi morar com o mosqueteiro no Japonês sem imaginar que o couro iria comer à sombra das cerejeiras.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Quatro tiras sobre o que a tecnologia faz com a gente


Uma tira da personagem argentina Mafalda, publicada originalmente em 1966, quando a Argentina vivia um duro regime militar, impregnado de censura e cerceamento à liberdade de expressão. ( QUINO. Toda Mafalda. SP: Martins Fontes, 1997).


Esse personagem é o Spike, primo do Snoopy, estrela do cartum Peanuts, do norteamericano Charles Schulz. É de meados dos anos 80, por ocasião de uma data do ano muito festejada tanto aqui quanto lá. (TRIMBOLI, Giovanni. Charles M. Schulz: 40 years – Life and art. (NY: United Feature Syndicate, 1990).


Essa tira de “Calvin and Hobbes”, de Bill Waterson, foi publicada originalmente na primeira metade dos 90, por ocasião de tradicional feriado norteamericano. (WATERSON, Bill. O mundo á mágico. SP: Conrad, 2007).


Essa é do cartunista pontagrossense Benett, que trabalha na Gazeta do Povo e na Folha de S. Paulo. A tira é de 2007. (MACEDO, Benett. Benett apavora! Cwb: Juruá, 2007).

terça-feira, 14 de junho de 2011

Redes sociais prejudicam a inteligência?

Não resisti a copiar esse texto, já reproduzido pelo Observatório da Imprensa.


A armadilha do Twitter
Bill Keller # reproduzido de O Globo, 3/6/2011

Semana passada minha mulher e eu autorizamos nossa filha de 13 anos a entrar no Facebook. Em algumas horas ela acumulou 171 amigos e eu me senti um pouco como se tivesse dado à minha filha um cachimbo com ópio.

Não pretendo ser um estraga-prazeres. Edito um jornal que abraçou a nova mídia com entusiasmo e criatividade. Entendo que a internet alcança e mobiliza uma audiência global, que ela convida à participação e facilita - até certo ponto - a apuração de notícias. Mas, antes de nos rendermos à idolatria digital, devemos ponderar que a inovação sempre tem um preço. Às vezes imagino se ele não é um pedaço de nós mesmos.

O cativante best-seller Moonwalking with Einstein, de Joshua Foer, cita um colossal exemplo do que nós trocamos pelo progresso. Até o século 15, as pessoas eram ensinadas a guardar uma vasta quantidade de informações. Façanhas da memória - como recitar de cor livros inteiros - não eram raras. Então surgiu o Mark Zuckerberg de sua época, Johannes Gutenberg. À medida que nos acostumamos a depender da página impressa, o hábito de guardar de cor caiu gradualmente em desuso. A capacidade prodigiosa de se lembrar ainda existe, mas, para a maioria, está na garagem.

Meu pai, que estudou engenharia no MIT na época da régua de cálculo, lamentava que a calculadora de bolso, com todas as suas conveniências, reduziu a capacidade matemática de minha geração. Muitos de nós descobrimos que a navegação por GPS comprometeu nosso conhecimento sobre as ruas da cidade e talvez tenha até prejudicado nosso senso inato de direção.

Bater à máquina matou o ato de escrever à mão. Twitter e YouTube estão tirando nacos de nossa atenção. E o pouco de nossa memória que não entregamos a Gutenberg abdicamos em favor do Google. Por que lembrar se achamos em segundos?

Robert Bjork, que estuda memória e aprendizado na UCLA, notou que mesmo estudantes muito inteligentes, familiarizados com o Excel, não são capazes de perceber nos dados padrões que seriam evidentes se não tivessem deixado o programa fazer a maior parte do trabalho.

Foer leu que a Apple contratara um grande especialista em mostradores monitorizados - os painéis transparentes usados por pilotos. Ele se pergunta se isto significa que a Apple esteja desenvolvendo um iPhone que dispensaria usar os dedos no teclado. O comando viria diretamente do córtex cerebral (a Apple não quis comentar).

Estamos terceirizando nosso cérebro para a nuvem. O lado positivo é que isto libera massa cinzenta para coisas importantes. Mas meu pessimismo imagina se as novas tecnologias não estariam erodindo características essencialmente humanas: a capacidade de refletir, a busca por significado, a empatia genuína, um senso de comunidade conectado por algo mais profundo.

A mais óbvia desvantagem das mídias sociais é que elas são agressivamente distrativas. O Twitter não é uma mera presença no ambiente. Ele exige atenção e resposta - é o inimigo da contemplação e do aprofundamento. Cada vez que o notificador apresenta na minha tela um novo tuíte, eu experimento um pequeno surto de dopamina que me distrai imediatamente daquilo que eu estava fazendo, mas... mas... o que era mesmo que eu estava fazendo? Minha desconfiança em relação à mídia social é intensificada pela natureza efêmera dessas comunicações.

Não estou nem mesmo seguro de que esses novos instrumentos sejam genuinamente "sociais". Há algo decididamente falso sobre a camaradagem no Facebook, algo ilusório sobre conectividade do Twitter. Espreite uma conversa na multidão digital e, muito frequentemente, ela é reduzida e redundante.

Como uma espécie de experiência masoquista, outro dia tuitei "#Twittertorna você burro. Discuta." Isso produziu poucos flashes de inteligência ("Dê algum crédito a nossas escolas públicas!"); um par de respostas óbvias ("Depende de quem você segue"); algumas especulações compreensíveis de que minha conta tinha sido hackeada; e um monte de gírias. Quase todo mundo que não tinha algo profundo a dizer em resposta à minha pequena provocação preferiu fazê-lo fora do Twitter.

Numa discussão real, a informação é cumulativa, a complicação é reconhecida, às vezes a persuasão ocorre. Numa discussão no Twitter, opiniões e nossa tolerância às opiniões alheias são atrofiadas. Não sei se o Twitter torna você burro, mas ele faz algumas pessoas inteligentes parecerem burras.

Percebo que estou atraindo fogo de tuiteiros apaixonados, de acadêmicos que adoram idolatrar novidades e de colegas do "New York Times" que estão criando uma estratégia para a mídia social com o objetivo de ampliar o alcance de nosso jornalismo. Então deixe-me esclarecer: o Twitter é um recurso brilhante - um megafone para promoção, uma rede para a informação, uma valiosa ferramenta para organizar tudo, de encontros de donos de cães a revoluções. Embora eu não seja muito tuiteiro e preste pouca atenção à minha conta no Facebook, gosto de ver algo que escrevi cair na Twittersphere, mesmo quando sei - como agora - que o veredito da massa será hostil.

As desvantagens da mídia social não me incomodariam terrivelmente se eu não suspeitasse que a amizade de Facebook e a conversa no Twitter estão tomando o lugar da relação e da conversação reais. As coisas que podemos estar deixando de aprender - complexidade, acuidade, paciência, sabedoria, intimidade - fazem diferença.

BILL KELLER é jornalista. ©The New York Times

Espíritos que pegam carona

Histórias de fantasmas que pegam carona em carros ou cavalos são comuns no imaginário popular. Mas o que acontece até hoje na Estrada do Cupim, em Campina Grande do Sul, desafia os céticos e provoca arrepios nas muitas pessoas que juram ter levado na garupa, caçamba ou banco de passageiro gente que apareceu repentinamente durante a viagem. E que desapareceu antes do fim da jornada, num piscar de olhos.
Alguém pode pensar que os caroneiros são sujeitos muito vivos que montam furtivamente nos cavalos e alcançam os carros quando eles diminuem a velocidade. Pois escute a história a seguir.
Moradores mais antigos da região se lembram do drama vivido por uma família inteira, os Basinski, no início dos anos 60. Dois irmãos, agricultores, homens adultos e trabalhadores, percorriam em dias diferentes o mesmo caminho: uma via viscinal, paralela à Estrada do Cupim, que hoje se apagou transformada em pasto.


Os dois passaram pela mesma situação aterrorizante. Os dois guardaram segredo até perto da fim da vida, temendo que fossem vistos como loucos ou bêbados pelos parentes e vizinhos. Mas cada um deles, tomados por uma doença implacável que definhava os músculos das pernas e braços, acabou confessando no leito de morte os pesadelos que se instalaram na consciência desde aquelas noites tenebrosas de meados do século passado.
Carlos, o caçula, mal tinha completado 18 anos quando assumiu o papel de buscar secos e molhados na sede do município. A volta das compras era tarde da noite e o caminho jamais lhe pareceu perigoso. Era apenas escuro e vibrante por causa do farfalhar dos galhos e assobios dos animais insones. Naquele dia 15 de junho de 1960, Carlos demorou mais para chegar à chácara. No alto do elevado, onde a rua de terra cruzava com a Estrada do Cupim, o cavalo começou a diminuir o passo. Na verdade, mais do que isso: parecia lutar para correr dali, mas dava a impressão que um enorme peso segurava o animal, como se cordas ou correntes o amarrassem ao solo.
Cansado, naquela escuridão, começou a açoitar o cavalo com impaciência. O animal gritou como se o pequeno chicote estivesse cravejado de espinhos. Carlos olhou para trás… e se arrependeu. Abriu a boca para berrar, mas a voz não saiu. Caiu, desmaiado, na relva. Horas depois, a família foi ao seu encontro, preocupada com a demora. Encontrou o jovem cavaleiro sentado no chão, trêmulo. E o cavalo, morto de exaustão.
Um ano depois, o primogênito Ismael já havia se acostumado com as viagens para compras. Embora nunca tivesse contado o que vira, Carlos se recusava a desafiar a escuridão daquelas passagens. Aos 30 anos, Ismael era o natural herdeiro da chácara, responsável por cuidar de tudo, até dos misteriosos melindres do caçula.

Ele nem percebeu o aniversário infame. Era 15 de junho de 1961. O vento cortava o campo e o inverno já havia se instalado em Campina Grande do Sul. O orvalho mal descongelou durante o dia e o frio da noite envolvia quem se arriscava a cavalgar.
Por volta das 8 da noite, o cavalo de Ismael parou. Exatamente no alto do aclive, bem no lugar em que Carlos viveu seu maior tormento. “Mas que diabo!”, praguejou o agricultor. Dessa vez, nem houve açoite. O animal chorava de dor e levantava as patas dianteiras, desesperado para fugir. Ismael virou o rosto corajosamente. E no meio da cerração começou a distinguir uma lustrosa placa de madeira marrom, com detalhes prateados que brilhavam ao escapar da névoa. Firmando os olhos, percebeu também uma cruz no tampo… o cavalo de Ismael estava puxando um caixão!
As pernas bambas e o pânico não foram suficientes para derrubar o cavaleiro. Ele saltou e colocou as mãos na grossa corda que se confundia com as ancas da sua condução. Pareciam porosas. Não teve coragem de tocar o féretro, que aos poucos sumia na escuridão. Mas queria olhar pela placa envidraçada na cabeceira. Aproximou-se cambaleante, tropeçou e acabou de joelhos, com as mãos na janela, encarando sem escolha o corpo que ali jazia.
O que viu naquele instante jamais saiu da sua cabeça, nem por um minuto. Deitado no caixão, com os olhos vidrados e secos, a boca retorcida, face pálida sob o vidro, estava Carlos, o irmão de Ismael.

* O texto é do Jornal União, de Campina Grande do Sul, edição da segunda semana de junho.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Redes sociais não inventaram o indivíduo


Esse é o resumo do artigo aceito no Congresso Mundial de Comunicação Iberoamericana, que será realizado em agosto na capital paulista. Lançado como LP em 1964, o disco de Coltrane é um impressionante indício de que a ação individual na circulação de mensagens já existia francamente no auge da mídia de massa. Ou seja, não foram as redes sociais que inventaram o indivíduo.


Contrabandos: ação dos atores individuais para a circulação

O artigo resulta do esforço de identificar estratégias discursivas específicas de religiosos em ambientes “inóspitos” proporcionados pela midiatização. Por “inóspito” leia-se “deslocamento”: locais da ambiência que não são programados ou convidativos para manifestações da religião.
A religião é particularmente sugestiva, nesse contexto, porque a solidez de cada campo e seus interesses conflitantes, representam, em primeiro lugar, resistência a alguns protocolos e ações da midiatização; em segundo lugar, oferecem, eles também, diversos tipos de influência que redesenham as “formas tecnológicas de vidas”.
Estudiosos latinos e norteamericanos, sobretudo, se ocupam de compreender impactos da midiatização na “transformação” das instituições religiosas. Mas a experiência de transmitir mensagens em outros ambientes parece ocorrer preferencialmente na forma de “contrabandos” individuais. Ou seja, não é um sistema que infere suas proposições em outros. Os campos não promovem intercâmbios relevantes porque sistemas não aceitam interferências discursivas radicais sem se transformarem em outra coisa. Trata-se de limite hermenêutico: se um conjunto de idéias “estrangeiro” contamina um sistema, ele só pode sofrer uma transformação de reconhecimento – caso contrário, a interferência foi tão descartável quanto inócua.
O estudo de caso apresentado envolve um disco de jazz, A Love Supreme, lançado em 1964, que conquistou espaço como objeto devocional – ou pró-devocional. John Coltrane, o músico responsável, gozava de posição privilegiada no restrito mercado do jazz nos anos 60 e era visto, graças à própria imprensa, como um indivíduo muito seriamente ligado a “questões espirituais”.
É objeto em movimento, pois constrói significados à medida que é usado ou interpretado ou rearranjado pelos indivíduos que se deparam com ele, escolhem, o consomem. No entanto, o que sugere ser realmente peculiar é o reconhecimento que, nesse e em outros casos, o papel do indivíduo supera qualquer generalização. Na verdade, o fato de focar nas estratégias do “usuário” (não autor ou consumidor) é mais uma questão de operação metodológica do que escuta das significações emergidas. A ideia é “rastrear” o movimento a partir das pistas que o usuário deixa nas suas estratégias de circulação.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Usar as palavras, quem diria, dá melhores empregos

Essa é para aqueles que aposentaram a língua como ferramenta privilegiada de trabalho.
Quem sabe escrever e, especialmente, tem senso de humor, pode se sair muito bem nesse mundo cada vez mais dominado, aí na superfície, por essa estética careta, pobremente publicitária e mau humorada.
A matéria é do New York Times e foi escrita por Sally Ryan.

GROUPON USA PALAVRA E COMÉDIA PARA VENDER

CHICAGO - Ou a Groupon está criando uma nova abordagem ao comércio que mudará o modo como comemos, compramos e interagimos com o mundo físico, ou é um sinal de que a mania da internet está, mais uma vez, saindo do controle. Ou ambos.
Essa empresa sediada em Chicago oferece descontos em produtos e serviços -um modelo empresarial que novatas da internet tentaram desenvolver. Mas a Groupon tem mais de US$ 1 bilhão em receitas anuais nos EUA e no exterior e cerca de 50 milhões de assinantes em 35 países. A novidade da Groupon? Nem tanto os negócios, quanto um ingrediente que é improvável e efêmero: palavras.
"As pessoas ficaram insensíveis aos elementos da publicidade que lidam com seus medos e com suas esperanças, que insultam sua inteligência com abordagens seguras e mornas da criatividade", diz Aaron With, editor-chefe da Groupon. "Nós misturamos negócios com arte e criamos nossa voz."
A Voz. Segundo a Groupon, é a ela que os assinantes respondem, tanto quanto ao negócio em si. A Groupon emprestou algumas ferramentas e alguns termos do jornalismo, aliviou a mão tradicionalmente pesada da publicidade, acrescentou um pouco de bom humor e atitude e casou o resultado com um negócio com desconto.
"Trinta por cento dos nossos assinantes ganham mais de US$ 100 mil por ano", diz With. "Eles não precisam de um desconto de US$ 20 em um restaurante." A companhia rejeita ser considerada uma agência de publicidade, responsável por promover pizza e sushi baratos para qualquer um que queira contratá-la. A esperança, em vez disso, é que seus usuários a vejam como um guia imparcial de uma cidade ou um bairro, um pouco como o caderno de fim de semana do jornal local.
Hoje, existem centenas de imitadores, alguns deles tentando solapar a original cobrando do comerciante menos do que a Groupon; a concorrente mais próxima da Groupon, Living Social, é apoiada pela Amazon, a gigante do varejo. "Não estamos nem um pouco preocupados que qualquer concorrente apareça e comece a escrever como nós", diz With. "Eles tentam, mas fracassam."
Mas a Groupon conseguiu comprar imitadoras no exterior, ajudando a construir uma rede global notável em tempo recorde. Quase todo mundo na equipe editorial da Groupon, de mais de 400 pessoas, tem menos de 30 anos. O próprio With tem 29 e nenhuma experiência em jornalismo ou marketing: trabalhava para uma organização sem fins lucrativos de Chicago e, mais importante, já tocou em uma banda com Andrew Mason, o executivo-chefe da Groupon.
"Muitos redatores profissionais se candidatam aqui. Eu já tive interessados da Rolling Stone, do Wall Street Journal", disse Keith Griffith, diretor de pessoal. "Mas é difícil que eles façam o que nós realmente procuramos. É mais fácil ensinar as pessoas do que desensiná-las."
Uma das perguntas que a Groupon faz aos candidatos a funcionários:
Qual é a maneira mais interessante de descrever um candelabro de 2.500 quilos?
A. Um espetáculo à parte.
B. Mais brilhante que uma árvore de Natal estudiosa.
C. Uma armadilha mortal.
D. Realmente grande e brilhante.
Não muita gente passa no teste -a resposta certa é B- ou se sai bem na redação de amostra.
Outro motivo pelo qual o emprego atrai mais jovens é porque o salário de novos redatores não tem nada de extravagante -cerca de US$ 37 mil por ano. Whitney Holmes, uma editora sênior de 27 anos que é poeta e diplomada em belas artes pela Universidade do Alabama, é encarregada de ensinar a Voz aos recrutas. "Inspiração é um monte de besteira", diz Holmes. "Você pode ensinar alguém a juntar coisas que são engraçadas."
Dirigindo-se a uma nova safra de redatores em uma sessão de treinamento, ela busca primeiro tranquilizá-los. "Conseguir a Voz da Groupon não tem a ver com ser inerentemente engraçado. Se fosse assim, 93% de nossos redatores não teriam emprego", ela diz.
Os redatores riem sem graça. Holmes os conduz em um giro rápido sobre a história e a teoria do humor. Um exemplo de utilização bem sucedida da Voz da Groupon para um serviço de ioga e massagem: "O mundo moderno de hoje, com sua pletora de países, panóplia de vias aquáticas e leis em constante mudança sobre o que é e não é fraude postal, é tão confuso quanto estressante. Tenha uma definição clara de relaxamento com a Groupon hoje."
Para um dentista: "A fada do dente é uma fetichista invasora especializada em comércio de marfim no mercado negro e precisa ser detida. A Groupon ajuda a manter dentes nas bocas e fora das mãos de fantasmas alados maníacos."
Holmes diz: "Toda piada tem uma proposta e uma recompensa. Se a proposta é confusa, a recompensa não chega".
Infelizmente, às vezes, a recompensa pela empresa que oferece o serviço desaparece na confusão de palavras. Restaurantes foram inundados por Groupons bem-sucedidos em que são obrigados a vender muitas refeições por um preço baixo demais. Além disso, diante da velocidade de suas aquisições no exterior, a Groupon estabeleceu um controle de qualidade limitado sobre os negócios fechados com as empresas locais.
Ainda assim, o Google tentou comprar a Groupon em dezembro por supostos US$ 6 bilhões. Era uma quantia enorme para uma empresa de dois anos, mas foi um negócio que a Groupon não gostou.
Em vez disso, recebeu dinheiro para se expandir -US$ 950 milhões- através de mais uma rodada de financiamento de capital de risco.
A Groupon gaba-se de um processo editorial demorado. Depois que um texto está pronto, ele vai para verificação de fatos. Depois vai para o editor da Voz, Ben Kobold, que, na tradição de todos os editores, olha para o texto, suspira, se encolhe em sua cadeira e, muitas vezes, passa a reescrever a maior parte dele.
Então, um improviso vem de um dos quatro redatores de humor do Groupon. Quanto mais você conseguir rir com a Groupon, mais você gostará dela. Ou é isso que a companhia espera.
"Com a chegada da temporada de concertos de piano, fingir a própria morte está ficando cada vez mais popular", começava um improviso recente. Cartas iradas se seguiram. Cullen Crawford, o redator, balança a cabeça. "Só porque tinha a palavra 'morte'?", explica. Parece que a Groupon preencherá os maiores sonhos de seus investidores e primeiros funcionários abrindo seu capital no ano que vem. A oferta poderá avaliar a empresa em US$ 25 bilhões, o que cobriria a estreia do Google em 2004 como a mais rica da internet.
Talvez em retrospectiva, essa soma pareça um grande negócio, como foi o do Google. Ou talvez seja a melhor piada da Groupon em todos os tempos.