terça-feira, 31 de maio de 2011

Lawrence Wright, jornalista-rapsodo.

Lawrence Wright escreveu o ótimo livro-reportagem O vulto das torres, premiado com o Pulitzer e lançado no Brasil pela Companhia das Letras. É sobre as origens da Al-Qaeda e qualquer um que estude bom jornalismo deveria ler com cuidado.

Pois a Folha publicou hoje uma peça teatral (!) escrita, dirigida e interpretada pelo próprio Wright sobre a convivência dolorosa entre judeus e palestinos. E começou a carreira do espetáculo em Tel Aviv, a poucos quilômetros da Faixa de Gaza.

Esse cruzamento precisa ser melhor refletido nas faculdades de jornalismo, em geral lotadas de preconceito contra formatos que escapem das fórmulas consagradas pela profissão mais ou menos desde que inventaram o telégrafo.

O que queremos quando noticiamos coisas? Não é uma resposta simples e me parece evidente que qualquer alternativa "decisiva" (informar! criar espírito crítico! ser a voz da sociedade!) não consegue ser contemplada com quatro anos de pirâmidade invertida, lead, "passagens"e deslumbre por "cases" de assessoria de imprensa.

Lawrence Wright estreia peça em Israel

Jornalista americano apresentou monólogo sobre conflito entre palestinos e israelenses nos palcos de Tel Aviv

"The Human Scale" tem como ponto de partida a história do soldado Gilad Shalit, refém do Hamas desde 2006

Marcelo Ninio
ENVIADO ESPECIAL A TEL AVIV

Transformar uma reportagem sobre o conflito palestino-israelense em espetáculo teatral é um desafio e tanto, mesmo para um jornalista habituado a mergulhar nos enredos mais intrincados do Oriente Médio, como o americano Lawrence Wright.
Mas ao transportar a obra de Nova York até Tel Aviv e confrontá-la com espectadores que compõem o elenco da narrativa, Wright esticou um pouco mais os limites entre teatro e atualidade.
O resultado pegou o autor de surpresa nas quatro apresentações do monólogo "The Human Scale" (a balança humana) que fez em Tel Aviv.
"Fiquei muito surpreso com a reação calorosa e também com a gratidão demonstrada pelas pessoas", disse Wright. "Como se fosse necessário um estrangeiro para colocar as coisas em perspectiva e contexto."
Menos de 70 km separam Tel Aviv da faixa de Gaza. Entre a mais cosmopolita cidade de Israel e o isolado território palestino, contudo, há um abismo conceitual criado por décadas de demonização. Com seu espetáculo, Wright tenta criar uma ponte entre esses dois mundos. Em 90 minutos, Wright conduz o espectador pelos labirintos da guerra de narrativas entre israelenses e palestinos, com o auxílio de imagens do conflito que se alternam em telões superpostos no fundo do palco. O ponto de partida é o soldado israelense Gilad Shalit, mantido refém desde 2006, quando foi capturado pelo grupo palestino Hamas e levado para a faixa de Gaza. Em troca, o grupo islâmico exige a libertação de mais de mil prisioneiros palestinos em poder de Israel. O número desperta em Wright a questão que norteia o monólogo: quanto vale uma vida? "Como eles chegaram a esse número? Como se mede o valor desse menino tímido?", pergunta Wright no início do monólogo. "Ele é mais valioso por ser judeu?"
A origem do espetáculo é uma reportagem escrita pelo jornalista em 2009 para a revista "New Yorker" sobre a faixa de Gaza. Com fartura de detalhes, ele descreve o clima de desumanização mútua que predomina por lá.
Esta é a segunda investida de Wright no teatro. Ele já havia levado aos palcos um monólogo baseado nos dilemas morais que enfrentou na pesquisa para o livro "O Vulto das Torres", considerado por muitos a obra definitiva sobre as origens dos atentados do 11 de Setembro.
Misto de peça, seminário e espetáculo interativo, o monólogo apresentado em Tel Aviv desafia o poder de definição do próprio autor.
Seja qual for o rótulo, afirma Wright, trata-se de um gênero com raros exemplos."Um dos poucos é "Via Dolorosa", de David Hare, sobre suas viagens a Jerusalém. Foi uma das minhas referências", diz. Para ele, o teatro dá outra dimensão a seu trabalho. "O palco é a relação mais íntima que um autor pode ter com seus leitores.
Embora tenha atraído um público bem mais aberto a aceitar a narrativa palestina que a média dos israelenses, a interação gerou atritos no lotado teatro de Tel Aviv. "Para um estrangeiro é mais fácil analisar o conflito", diz a educadora Orna Abiri, 39. "Minha perspectiva é diferente. Eu não tenho outro país." Wright tem planos de apresentar o monólogo em Gaza, mas eles ainda esperam a autorização do Hamas.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Experiências de jornalismo policial em Campina Grande do Sul


Com a paciência e modéstia que a edição de um impresso semanal do interior requer, o Jornal União, com sede em Campina Grande do Sul, tem experimentado alguns "desvios de linguagem", especialmente na página policial.


Na primeira matéria que reproduzo, fruto da última edição, há o uso de versos de "Construção", de Chico Buarque, para noticiar a morte de um pedreiro. Nas outras, algo sobre os limites da linguagem popular, gírias e ironias.

O esforço tem rendido bem: o União aumentou sua tiragem e circulação e as matérias ficam na boca da comunidade a semana toda, do prefeito ao agricultor recém-alfabetizado (e não é figura de linguagem: a nova coluna social do jornal publicou, na semana passada, a foto de uma senhora idosa, que acabara de aprender a ler, curtindo as matérias).

Pedreiro executado: tropeçou no ar e agonizou na frente dos filhos

Na noite do dia 22, um domingo, no limite norte de Campina Grande do Sul, o pedreiro Ricardo Alexandre Alves jantou feijão com arroz como se fosse um príncipe. Não demorou, no entanto, para que a lâmpada tremeluzente do barraco revelasse o fim da ilusão de paz e tranquilidade. Os bandidos que entraram na sua casa não esperaram a segunda-feira para que o trabalhador morresse, quem sabe, despencando de uma construção.
Vários disparos nas costas de Ricardo, que tentava fugir e tropeçou no batente da janela da casa como um pacote bêbado. A esposa e seus quatro filhos, de quem não teve tempo de se despedir, assistiram à execução.
Ninguém dali, nem a irmã da vítima, entendeu o crime. Lúcia Alves lamentou: “Ele nunca mexeu com nada errado. Pai de família, trabalhador, agora os quatro filhos vão ficar sem o pai”. Dizem que ele teria sido confundido com o irmão, famoso na vizinhança por se envolver com o que não presta.
Mas segundo o delegado Gerson Machado, Ricardo tinha envolvimento com o tráfico e esse seria o possível motivo de seu assassinato. A delegacia de Polícia Civil de Campina Grande do Sul está investigando o caso. Enquanto isso, a comunidade espera a paz derradeira que enfim vai lhes redimir.

Morto a facadas, queimado e mal enterrado
Os dois assassinos de Reginaldo Bandeira, 24 anos, foram presos pelos agentes da delegacia de Campina Grande do Sul pouco tempo depois da obra inesquecível que aprontaram: eles mataram Bandeira com uma facada no pescoço, queimaram o corpo e ocultaram em uma cova rasa ali pelo km 27 da BR 116, nas imediações da Igreja Visão Missionária, na Barragem.
Por que fizeram isso? Um dos assassinos, Ilson Rodrigues da Silva, 18 anos, revelou que cometeu o crime porque teria sido ameaçado de morte por Reginaldo, com quem tinha uma rixa antiga. Ele chamou Rosevaldo Pereira, 25, para ajudar no serviço. O parceiro tem experiência no ramo: cumpriu pena por homicídio no presídio de Piraquara, de onde saiu em 2009.
Os dois foram autuados pelos crimes de ocultação de cadáver, pelo qual podem cumprir de um a três anos de prisão, e homicídio, cuja pena é de 12 a 30 anos.