domingo, 18 de setembro de 2011

Sobre Rottentomatoes e Metacritic - artigo para o Comunicon


Como hoje é dia de "Emmy", recorto aqui o início de um artigo aprovado para o Congresso Internacional em Comunicação e Consumo, que será realizado em outubro na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), em São Paulo. Tento refletir sobre estratégias da crítica (de tv e cinema) nessa época em que a internet baliza o consumo desse tipo de texto.
Tentativas de hegemonia da crítica sob a influência da estética midiatizada[1]

Victor Folquening[2]
Unisinos

Resumo
A circulação das mensagens no mundo contemporâneo, por seu caráter dispersivo e novos níveis de escalonamento, gera ambiguidades quanto ao reconhecimento público das obras referenciais da cultura. Nesta nova natureza sócio- tecno-organizacional, “passamos de estágios de linearidades para aqueles de descontinuidades, de fragmentos e de heterogeneidades” como nos diz Fausto Neto. Instituições ainda baseadas na cultura em que a escrita ocupa papel central, como a crítica profissional, naturalmente desenvolvem estratégias de assegurar a própria relevância como norteadoras do consumo da arte e entretenimento. Os objetos para essa análise são os sites Rotten Tomatoes (RT) e Metacritic (MC), dedicados a publicar rankings de produtos culturais lançados, sobretudo, no mercado cultural norte-americano. A peculiaridade desses projetos é a adoção de um método estatístico de valoração dos produtos, amparado em publicações variadas de críticas de cinema, televisão, música e jogos eletrônicos.

Palavras-chave: Crítica cultural – midiatização – circulação – Rottentomatoes – Metacritic

A ambição do artigo seguinte é refletir sobre uma estratégia específica de hegemonização de padrões de qualidade estética, dentro de uma categoria reconhecida como “crítica de produtos culturais”, em face ao crescente processo de midiatização da sociedade. A hipótese de partida acompanha o raciocínio, desenvolvido entre outros por Verón (2005) e Fausto Neto (2005, 2006), de que a característica mais marcante dessa nova “ambiência” é a lógica de circulação das mensagens, superando modelos comunicacionais que privilegiam, como fator analítico, a emissão e a recepção.
A circulação no mundo contemporâneo, por seu caráter dispersivo e novos níveis de escalonamento, gera ambiguidades quanto ao reconhecimento público das obras referenciais da cultura. Nesta nova natureza sócio-tecno-organizacional, “passamos de estágios de linearidades para aqueles de descontinuidades, onde noções de comunicação, associadas às totalidades homogêneas, dão lugar àquelas de fragmentos e de heterogeneidades” (Fausto Neto, 2006, p.3). É possível que instituições marcadas por parâmetros ainda calcados na cultura em que a escrita ocupa papel central, como a crítica profissional, procurem desenvolver estratégias de assegurar a própria relevância como norteadoras do consumo da arte e entretenimento. Trata-se de um esforço “reacionário”, no sentido literal da palavra, pois promete o re-estabelecimento de uma cultura de hegemonia de critérios estéticos, eleitos por peritos outrora discutidos apenas entre os pares, nessa época de maior complexidade da circulação e, por conseqüência, da fruição dos produtos engendrados nela. Como também observa Verón, os efeitos das operações midiáticas, “lejos de producir homogeneización (es decir, cristalización de las estructuras organizacionales de la sociedad), son generadores de complejidad, y, por lo tanto, de cambio” (Verón, 2005, p. 134).
Em “A Sociedade Enfrenta sua Mídia” (2006), pesquisa em que investiga o “sistema de resposta social”, José Luís Braga não se preocupa em definir claramente um conceito para “crítica”, confiando pragmaticamente na expressão como ela soa de forma mais ou menos consensual. Não nos afastamos desse modelo no artigo presente, mas, por questões práticas, reconhecemos aquela crítica que se autodefine como especialista – por isso tem reconhecimento público, e, pelo uso cotidiano, se apresenta como foco privilegiado de qualificação, separação e hierarquização dos objetos da cultura. Desse modo, e apenas para a tarefa momentânea, não consideramos aqui a “resposta social” não-profissional (comentários em blogs, cartas à redação, etc.) como “crítica”.
Os objetos dessa análise são os sites Rotten Tomatoes[3] (RT) e Metacritic[4] (MC), dedicados a publicar rankings de produtos culturais lançados, sobretudo, no mercado cultural norte-americano. A peculiaridade desses projetos é a adoção de um método estatístico de valoração dos produtos, amparado em publicações variadas, na web e fora dela, das críticas de cinema, televisão, música e jogos eletrônicos circulantes. Parece que RT e MC procuram responder a pelo menos dois fenômenos possíveis da midiatização da sociedade (especialmente no papel que a web desempenha nesse processo): a) a valorização da opinião não especializada, em virtude dos inúmeros mecanismos de expressão (p. ex., as redes sociais), como substituição ao crivo crítico perito; b) o crescimento geométrico das possibilidades de expressão e opinião, sendo disponibilizadas sem ordem específica ou, pelo menos, em sistemas que não obedecem, necessariamente, à construção do cânone, artístico ou intelectual.


[1] Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho GT 2: Comunicação, Consumo e Estética, do 1º Encontro de GTs  - Comunicon, realizado nos dias 10 e 11 de outubro de 2011.
[2] Professor-pesquisador das Faculdades Integradas do Brasil (UniBrasil), jornalista, mestre em Ciências Sociais Aplicadas, doutorando em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos): vicfolken@yahoo.com.br.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Todas as teses e dissertações sobre a relação mídia e religião

Mídia e religião: esta é a lista com supostamente todas as dissertações e teses defendidas nos 36 programas brasileiros de pós-graduação em Comunicação desde 2005.

É resultado do projeto de iniciação científica do curso de Jornalismo da UniBrasil, que coordeno há seis meses, e minhas pesquisas pessoais.

A lista serve para o artigo que apresentaremos no final de setembro no Congresso Internacional de Ciências da Religião, em Goiânia.

Caso saiba de alguma pesquisa que não foi contemplada por essa lista, por favor, nos avise!


Dissertações e teses oriundas de PPGs em Comunicação:

AGUIAR, Carlos Eduardo Souza. A sacralidade digital: a mística tecnológica e a presença do sagrado na rede. Dissertação. USP, 2010.

BANDEIRA, Alexandre Dresch. A intersecção dos dispositivos midiáticos e religiosos: midiatização como lógica do consumo na Igreja Universal do Reino de Deus. Dissertação. Unisinos, 2006.

BARBOSA, Rafaela Chagas. “Padrão tecno-estético e mercado televisivo: um estudo sobre a rede Record de Televisão”. Dissertação. Unisinos, 2011.

BEHS, Micael Vier. Estratégias jornalísticas da Igreja Universal do Reino de Deus nas eleições 2006/2008: o caso da Folha Universal. Dissertação. Unisinos, 2006.

BORELLI, Viviane. Da festa ao cerimonial midiático: as estratégias de midiatização da teleromaria da Medianeira pela Rede Vida. Tese. Unisinos, 2007.

SANCHONETE, Carlos Renan Samuel. Religi@o 2.0: Interações entre igreja e fieis no blog do bispo Edir Macedo. Dissertação. Unisinos, 2010.

CARNEIRO, Larissa Soares Maqtal: histórias dos sacrifícios religiosos nas redes digitais. As narrativas sagradas no website da Brigada dos Mártires de Izzedine Alqassa. Dissertação. PUC MG, 2009.

CRUZ, Mauricio Nascimento. Mídia e Igreja Católica - Cobertura da visita do Papa Bento XVI ao Brasil no jornal Folha de S. Paulo. Dissertação. FCL,  2009.

FIEGENBAUM, Ricardo Zimmermann. A midiatização do campo religioso e processos de produção de sentido. Análise de um conflito anunciado. O caso do Jornal Evangélico da IECLB. Dissertação. Unisinos, 2006.

FIEGENBAUM, Ricardo Zimmermann. Midiatização: a Reforma Protestante do Século XXI? Igrejas, dispositivos midiáticos e sistemas de valor, de visibilidade e de vínculo entre regulações e resistências. Tese. Unisinos, 2010.

FLORES, Ana Cássia Pandolfo. Práticas midiatizadas da canção nova na internet: afetação de lógicas comunicacionais católicas e midiáticas. Disserrtação, UFSM, 2010.

GASPARETTO, Paulo Roque. Midiatização da Religião: processos midiáticos e a construção de novaa comunidades de pertencimento: Estudo sobre recepção da TV Canção Nova. Tese. Unisinos, 2009.

GUEDES JÚNIOR, Olimpio. Folha universal: a manipulação da “boa fé”. Dissertação. Unimar, 2005.

GUSSO, Ana Cláudia. A comunicação de mercado a serviço da igreja: em busca de fidelização. Dissertação. Umesp,  2008.

LEÃO, Frederico Camelo. Saúde, espiritualidade, religiosidade: uma abordagem comunicacional. Tese. PUC SP, 2009.

MAGOSSI, Priscila Gonçalves. Ritual da mídia: os elementos rituais e sua aplicação pelos meios de comunicação de massa. Dissertação. PUC SP, 2008.

MALHEIROS, Celso Alfaro. Religião e TV: um estudo de programas neopentecostais.  Dissertação. FCL, 2008.

MENDES, Edilberto da Silva. A santa negra dos Inhamuns: Um estudo das performances que atualizam o culto à escrava Marciana em Planalto, Arneiroz, Ceará. Dissertação. UFC, 2010.

MIKLOS, Jorge. A construção de vínculos religiosos na cibercultura: a ciber-religião. Tese. PUC SP, 2010.

MININE, André Ricardo. Credibilidade, Segurança e Fé: O uso do jornalismo na programação religiosa da Record. Dissertação. Unesp Bauru, 2008.

SBARDELOTTO, Moisés. “E o Verbo se fez bit”. Uma análise de sites católicos brasileiros como ambiente para a experiência religiosa”. Dissertação. Unisinos, 2011.

MÔNEGO, Jozéli da Rosa. Ponto de luz: a configuração de identidades através de um produto midiático. Dissertação. UFSM, 2010.

PIGNATARI, Rosa  Malena. Show da Fé e de Sentido(s):O universo eclesial com mediação sociocultural. Dissertação. Unesp, 2009.

PULGA, Carmen Maria. Interface - igreja e mídia: uma experiência de comunicação religiosa na web. Dissertação. USP, 2006.

FOLETTO, Rafael. De Bispo a presidente: as representações de Fernando Lugo na mídia impressa brasileira. Dissertação. Unisinos, 2011.

RASLAN FILHO, Gilson Soares. Dai-me almas.O pastoreio midiatizado da TV canção nova. Tese. USP, 2010.

SIERRA GUTIERREZ, Luís Ignácio. A tele-fé: Religião midiatizada. Estratégias de reconhecimento de sentidos religiosos de fiéis do canal Rede Vida de Televisão em Porto Alegre, RS. Tese, Unisinos, 2006.

SILVA, Conceição de Maria Ferreira. Barravento, Orí e Santo Forte: representação das religiões afrobrasileiras no cinema. Dissertação. UFG, 2010.

SILVA, Deborah Pereira da . A comunicação publicitária como reencantamento: a relação entre publicidade e religião no Brasil e na América Latina. Tese. PUC SP, 2008.

SILVA, Fábio Gleiser Vieira. A Igreja Católica e a Comunicação na Sociedade Midiatizada: Formação e Competência. Dissertação. FCL, 2010.

SILVA, Rafael Rodrigues da. Edição e heresia: o livro de Daniel. Tese. PUC SP, 2006.

WEBER, Sílvio. Jornalismo Católico: Jornal O SANTUÁRIO e o encontro entre o Institucional e o Comunitário. Tese. Unisinos, 2010.

TORRES, Hideide Brito. O telejornalismo na construção da identidade religiosa : representações evangélicas no Jornal Nacional e Jornal da Record e sua recepção por fieis metodistas e batistas. Dissertação. UFJF, 2011.

Frio na Espinha Especial: nostalgia dos anos 80.

Essas são a primeira e segunda partes de cinco na novelinha que publicamos amanhã na sessão Frio na Espinha, do Jornal União. Ao longo da história, algumas reconstituições dos anos 80 e uma nostalgia do medo infantil que nos eletrizava naqueles longíquos caminhos da infância.

Benett ilustra a novela. É como se Turner desenhasse a embalagem de Ki-Boa ou se Mozart fosse o autor da trilha sonora original de Motoqueiro Fantasma ou se David Remnick fosse editor do jornal que aprovasse a campanha "Pais sem Avós é Neto Órfão".

Aqui duas das cinco lindas ilustrações. Esses somos eu e ele em 1986. Creia-me.

NÃO LEIA ESSE LIVRO!
História de Victor F.
Ilustrações de Benett M.


I.

Agora, sentado em frente à estante de livros do colégio Nilce Terezinha Zanetti, o jornalista sente o medo paralisar cada junta dos dedos. A mão está congelada no ar, a poucos centímetros da lombada daquela brochura. A professora que veio entrevistar já está na sala. Ele nem percebe.

É o mesmo livro. E todo o sarcasmo que Emanoel construiu ao longo da vida parece ter se voltado contra ele. Deixara de acreditar nessas coisas no meio da adolescência. O que era medo, passou a diversão e agora é tédio: convenceu-se de que não existe isso de espíritos ou de maldições que acompanham as pessoas.

Mas está ali, na escola de uma localidade rural de Campina Grande do Sul. Voltou para ele. Não entende como. Só sabe que não deve ler. Não deve pronunciar as frases que trouxeram tanto medo no raiar da adolescência.

Não é fácil resistir. Sente como se a confirmação de seus pesadelos juvenis fosse uma obrigação. Basta que tenha coragem e abra o volume, leia cada linha até o fim e perceba, no meio do texto, que os terríveis acontecimentos de 26 anos atrás, a mais de 150 quilômetros de distância, continuam rondando sua vida.


II.

Há 26 anos, ele era aluno da sexta série do colégio estadual Professora Elzira Correia de Sá. Uma quinta-feira qualquer, em que o mormaço tirava ainda mais a cor das pálidas casas padronizadas do núcleo residencial Santa Paula, ressaltando o barro que subia lentamente pelos muros pré-fabricados, ele e seu melhor amigo resolveram gazear aula para explorar os sebos do centro de Ponta Grossa. Muitas moedas andavam sobrando para seus bolsos porque, nos últimos dias, o leite acabava na vigésima pessoa da fila armada às 5 da manhã em frente ao supermercado. Era época do famoso “desabastecimento”. Munidos de trocados, torciam para encontrar, no meio de velhas estantes empoeiradas, as pechinchas milagrosas em forma de livros de terror.

Aos 12 anos, pouca coisa fascinava mais Emanoel e Alberto do que lendas que tirassem o sono e inspirassem novos contos, enredos que se tornariam histórias em quadrinhos, desenhadas à lápis naqueles cadernos azuis da Fundepar, e trocadas com os colegas pela bagatela de duas ou três canetas (pretas, para parecer nanquim), figurinhas de futebol ou gibis variados, de preferência também de terror.

Pegaram o ônibus no ponto final. Quando dobraram a esquina da rua Castanheira, que se finda no colégio, eles grudaram no vidro para olhar, sarcásticos, para os colegas que não tiveram a mesma coragem de fugir dos professores. Mas tudo parecia vazio. Ninguém no pátio principal. Ninguém na cancha, onde naquele momento a turma deveria começar o aquecimento para a modorrenta aula de Educação Física. “Ué, será que é feriado?”

Não era. Logo depois que o ônibus ultrapassou os prédios principais do colégio, os dois amigos conseguiram ver, por poucos segundos, uma incrível concentração de pessoas. Parecia que todos os alunos estavam atrás do último bloco, andando devagar, em completo silêncio. Dezenas, centenas de crianças, compartilhando os poucos metros da calçada dos fundos do Elzira Correia de Sá.


A curiosidade provocada pela cena logo foi substituída pela conversa sobre os livros, gibis e discos de vinil que gostariam de encontrar. No centro de Ponta Grossa, gastaram os tênis Olimpikus estilo naútico, sem cordão, que eram moda acessível às crianças da periferia nos anos 80. Começaram pelas bancas de revistas e não resistiram checar os cartazes em frente aos cinemas Inajá, Império e Ópera. Um anúncio promissor: dali poucos meses seria exibido Aliens – O Resgate! Melhor: uma plaquinha já indicava a restrição a menores de 16 anos, o que prometia sangue, violência e, quem sabe, uma pitada de mulheres peladas. E não seria a primeira vez que o bilheteiro os deixaria passar.

Terminaram o circuito nos sebos, o auge da aventura urbana. No último, instalado no beco entre dois prédios que nem existem mais, as únicas aquisições razoáveis do dia. Duas edições rasuradas da revista Crypta, um disco bastante riscado do cantor Z. Z. Hill e um livro marrom, edição original dos anos 50, chamado “Frio na Espinha”. Na primeira página, uma advertência que transformou a obra em imperdível, valendo os poucos cruzados que demoravam semanas para economizar: “Se não é autorizado a se comunicar com Eles, ordenamos que pare de ler esse livro”.

(Continua...)

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Trecho de artigo sobre o panorama das pesquisas que relacionam mídia e religião no Brasil

Essa é a introdução do artigo também aprovado para o 5o Congresso Internacional de Ciências da Religião. Trata-se da primeira participação das minhas orientandas em um evento acadêmico.

Panorama das pesquisas sobre a relação Mídia e Religião realizadas nos cursos de mestrado e doutorado em Comunicação entre 2005 e 2011

Victor Folquening, com a colaboração das bolsistas de iniciação científica Evelyn Dias Arendt, Anne Louyse Araújo e Larissa Ilaídes (da esquerda para a direita, nessa foto de Emily Kravetz).



RESUMO: A partir de todos os cursos de pós-graduação strictu sensu em Comunicação no Brasil, identificamos teses e dissertações, produzidas desde 2005, que investigam as relações entre mídia e religião. Incluindo casos de trabalhos realizados em outras áreas (como Sociologia e Antropologia),  mas amplamente focados na Comunicação, chegamos a 87 publicações acadêmicas, 36 em PPGs de Comunicação e 51 resultantes de pesquisas de outros campos. Análise inicial dos textos – sobretudo resumos – mostra regularidades instigantes. Entre elas: a) evidente postura crítica a priori nos trabalhos em que igrejas neopentecostais, sobretudo IURD, são objeto; b) comprometimento institucional de pesquisadores das religiões cristãs tradicionais, especialmente ICAR e luteranas, com seu objeto de estudo; c) pouco interesse por religiões não-cristãs; d) predileções regionais: no nordeste, frequência da abordagem antropossociológica; no sul, o foco na linguagem.

Introdução

A pretensão da presente pesquisa é extrair abduções sobre o estado da arte das dissertações e teses que relacionam religião e mídia no país. Trata-se de um recorte que não pretende garantir uma “varredura” absoluta da produção na área, mas ainda assim abrange todos os 38 cursos de pós-graduação em Comunicação strictu sensu no Brasil.  Espera-se com o escrutínio a representatividade necessária para a reflexão sobre os caminhos temáticos e metodológicos que envolvem a midiatização da religião.

Os trabalhos visitados foram defendidos entre 2005 e primeiro semestre de 2011 e totalizam 25 dissertações de mestrado e 12 teses de doutorado verificadas entre os programas associados à Comunicação[1].

As instituições em que se registram pesquisas específicas na área são Unisinos (12), PUC-SP (5), USP (4), Fundação Cásper Líbero (3), UFSM e Unesp (2), PUC-MG, UFC, UFG, UFJF, UFRJ, Unicamp e Unimar (1 cada).  Apenas Unisinos (5), PUC-SP (4), USP (2) e UFRJ (1) possuem trabalhos próprios de doutorado relacionando mídia e religião em seus acervos de Comunicação.

A razão para o recorte temporal – últimos seis anos – é a suposição, assumidamente frágil, de que as pesquisas mais recentes acabam absorvendo o trabalho das anteriores – é uma hipótese que sequer pode ser comprovada (e até mesmo refutada, uma vez que a coleção analisada mostra uma regular negligência com o trabalho alheio entre os pesquisadores), mas que serve como simples corte de observáveis.

        Ainda assim, foram consideradas 51 pesquisas realizadas em outras disciplinas e que sugerem preocupação, mesmo que tangencial, com a influência da mídia nas religiões. Estas foram percebidas a partir das instituições que também oferecem cursos de Comunicação. Dessa forma, consideramos eventualmente trabalhos defendidos em mestrados e doutorados em Educação (Unisinos), Letras, Engenharia Civil, História e Ciências Sociais (UFSM), Ciência Política, Educação, Sociologia e Musicologia (USP), Antropologia Social, Letras, Ciência Política, Educação, Bioética, Economia, Ciências Humanas, Psicologia e Sociologia (UFRGS), Educação, Letras, História, Antropologia e Geociências (UFF), Geografia, Ciências Humanas, Psicologia, Educação, Letras, Psicologia, Educação, História e Geografia (UFRJ), Antropologia (UFBA), Artes e Educação (Unicamp).

       No período, portanto, outras áreas, que não a Comunicação, se dedicaram mais às relações entre religião e mídia do que a disciplina especializada nos mecanismos sociais, simbólicos, linguísticos e tecnológicos da informação: 51 dissertações ou teses contra 36 – o que pode ser explicado, em parte, pela constituição relativamente recente dos programas de pesquisa específicos da Comunicação. Por outro lado, também aponta para o evidente interesse das diversas áreas do conhecimento pelo cruzamento de fenômenos tão abrangantes como a religião e a mídia.

         A produção mais acentuada de áreas não-comunicacionais explica em grande parte a predominância de referências teóricas constituídas fora do campo da Comunicação, mesmo nas pesquisas dos programas específicos. Autores como o sociólogo Pierre Bourdieu, por exemplo, cuja preocupação com a afetação da mídia na construção da identidade religiosa é aspecto tangencial de sua bibliografia, são mais frequentes no embasamento teórico das pesquisas do que pensadores que se dedicam (ou já se dedicaram) especialmente ao assunto, como Robert White, Pedro Gilberto Gomes, Antônio Fausto Neto, etc.



[1] Sejam Comunicação, Comunicação Social, Comunicação e Semiótica, Comunicação e Informação, Comunicação e Cultura, Comunicação e Práticas de Consumo, Comunicação e Sociedade, Comunicação e Cultura Contemporânea, Jornalismo, Multimeios, Imagem e Som, Meios e Processos Individuais ou Comunicação, Cultura e Amazônia.

Trecho de artigo para o Congresso Internacional de Ciências da Religião

Participarei do 5o Congresso Internacional de Ciências da Religião e 12a Semana de Estudos da Religião, que serão realizados em Goiânia no final de setembro, com duas contribuições.

A mais relevante, suponho, é relativa aos primeiros resultados do grupo de pesquisa que coordeno na UniBrasil e conta com a valiosa participação das bolsistas de iniciação científica Larissa Ilaídes, Evelyn Arendt e Anne Louyse Araújo: um panorama de TODAS as pesquisas sobre mídia e religião realizadas no país desde 1996 nos cursos de mestrado e doutorado em Comunicação.

A outra é uma reflexão que venho tentando aprimorar sobre estratégias discursivas do pastor da Primeira Igreja Batista de Curitiba, Paschoal Piragine Jr. (esse ao lado), na defesa de posições recriminadas pela cultura midiática contemporânea - como a condenação ao homossexualismo.

Publico aqui um trecho desse segundo esforço, ainda inédito.

Contrabandos pastorais e algumas questões de dispositivo

Resumo:
A reflexão procura identificar afetações da mídia sobre o campo da religião, haja vista deslocamentos de sentidos que porventura ocorram antes e apesar dos fenômenos caracterizadores da chamada sociedade midiática. Trata-se de percorrer elementos de um processo interacional oral/escrito para o midiático a partir de sermão empreendido pelo pastor da 1ª Igreja Batista de Curitiba (PR). A forma como o pastor constrói o discurso, ciente da possível midiatização do episódio, pode fornecer pistas das estratégias discursivas empreendidas por atores individuais no mundo contemporâneo. O campo da religião ajuda a problematizar o objeto próprio da Comunicação, já que nesse caso lidamos com construções simbólicas erigidas de forma independente, por vezes contrastante, ao predomínio das mídias no tecido social.

Além da crítica e da defesa

Como todo sistema, a religião constitui um universo próprio, portanto auto e heterorreferente, que assimila, recusa e dialoga com a influência de outros campos em um jogo através do qual frutifica sua própria sobrevivência.

No entanto, no que se refere especificamente à religião cristã, a literatura aponta para uma tensão especial na interface com fenômenos descritos como próprios da modernidade, entre eles a mídia.

Afetado pela midiatização, o discurso religioso constantemente identifica os meios de comunicação como dispositivos malignos ou perigosos, não obstante a cada vez mais profunda relação entre religião e mídia. Embora observado, intuito ou narrado, esse tensionamento não tem sido suficientemente explicado. No Brasil, a maior parte das reflexões acadêmicas prefere abordar o tema pela perspectiva da presença institucional da Igreja nos mecanismos midiáticos, como nas análises de performance das católicas Rede Vida e Canção Nova, ou adotar uma perspectiva crítica a priori, como nas muitas dissertações e teses em que o objeto é relacionado à Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) ou denominações neopentecostais (Folquening, Araújo, Arendt & Ilaídes, 2011).

A questão, portanto, passa pelas peculiaridades do relacionamento da religião com o processo de midiatização – mais do que simplesmente com a mídia – sem recorrer necessariamente aos usos explícitos que as instituições religiosas fazem do aparato tecnológico dos meios de comunicação.

Talvez a tensão possa ser analisada a partir de três processos de reconfiguração simbólica: o comportamento dos atores individuais na forma de contrabandos de mensagens cristãs para dentro das lógicas próprias dos dispositivos mediáticos; a desvinculação entre o sentido “sagrado” do objeto e seu suporte; a adoção de um “terceiro tempo” de condução dos produtos de mídia como sinalizador do “transbordamento” dos dispositivos mediáticos para o cotidiano da igreja presencial.

Cabe aqui ressaltar que a escolha pela religião como interlocutora das peculiaridades da mediatização responde não mais do que a uma questão de “grandeza de campo”. Como poucos outros, o campo da religião (Bourdieu, 1990) é um sistema complexo e historicamente solidificado. Suas assimilações, recusas e adaptações ao mediático ocorrem em uma dimensão obviamente diferente daquelas ações de interface proporcionadas por campos mais recentes, em construção ou de naturezas dispersas. Aliás, no que tange particularmente ao cristianismo, cuja fundação e desenvolvimento ocorrem no interior de um sistema interacional de referência escrito (a “Palavra” é a consolidação da Bíblia como documento sagrado), os traumas e desencontros próprios de um ambiente em transformação (a passagem da cultura escrita para a mediática) solicitam estratégias e adaptações muito particulares e que podem nos fornecer pistas sobre a persistência de instituições fundadoras na sociedade contemporânea.

            A forma de abordagem ocorrida a esta pesquisa atende à compreensão de que o campo da Comunicação é propício à detecção indiciária de seus objetos através, inclusive, de um processo exploratório de observáveis múltiplos; leitura em grande parte inspirada na percepção abdutiva de Carlo Ginzburg (2004, 2007) e na leitura da Comunicação como disciplina indiciária, desenvolvida por Braga (2008). 

Referências desse trecho:

  • BOURDIEU, Pierre. A dissolução do religioso. In: Coisas Ditas. SP: Brasiliense, 1990.
  • BRAGA, José L. Mediatização como processo interacional de referência. Em: Médola, Ana Sílvia, Denize Araújo e Fernanda Bruno (orgs). Imagem, Visibilidade e Cultura Midiática (Livro Compós 2007), p. 141-167. Porto Alegre: Editora Sulina, 2007.
  • BRAGA, José L. Comunicação, disciplina indiciária. Revista Matrizes, vol. 1, série 2, p. 73-88. São Paulo: USP, 2008.
  • FOLQUENING, Victor; ARAÚJO, Anne Louyse, ARENDT, Evelyn; ILAÍDES, Larissa. Panorama das pesquisas sobre a relação Mídia e Religião realizadas nos cursos de Mestrado e Doutorado em Comunicação entre 2006 e 2011. Artigo para o V Congresso Internacional em Ciências da Religião e XII Semana de Estudos da Religião. Pontifícia Universidade Católica de Goiânia. Setembro de 2011.
  • GINZBURG, Carlo. Chaves do mistério: Morelli, Freud e Sherlock Holmes. Em: Eco, Umberto e Sebeok, Thomas. O signo de três. SP: Perspectiva, 2004.
  • GINZBURG, Carlo. O fio e os rastros. SP: Companhia das Letras, 2007.


quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Crianças adoram fantasmas

O Jornal União, que publica o Frio na Espinha, minha série quinzenal de histórias, recebe várias contribuições de gente inspirada pelos contos sobre o sobrenatural. As mais legais são de crianças. O atual ilustrador da coluna é um adolescente, o Caique, que foi levado pelo pai à redação depois que revelou seus desenhos macabros em casa. Mas o desenho a seguir é de uma criança de 10 anos.


Na última semana, o União recebeu uma carta da professora Ivone Simioni Polli, que é responsável por turmas de quarta série no colégio municipal Nilce Terezinha Zanetti, no localidade rural de Terra Boa, Campina Grande do Sul. Atividade que ela desenvolveu resultou em vários desenhos, dois deles aqui na página. Endosso completamente a ideia de recuperar a tradição de contar histórias de fantasmas. Há anos, não sentia esse tipo de orgulho por causa do meu trabalho.

Leia um trecho da carta:

Não há dúvidas que na sociedade atual, os meios de comunicação são muito mais que recursos de ensino, são agentes sociais que abrem espaços para discussões de tudo o que acontece na sociedade na qual estamos inseridos. Dessa forma não é mais possível que a escola fique alienada aos fatos que se passam a sua volta, ou seja, transmitir conhecimentos que muitas vezes estão ultrapassados ou não fazem nenhum sentido para os alunos pois não fazem parte do seu cotidiano. Utilizando o jornal em sala de aula, pude perceber um grande interesse dos alunos, pois as reportagens ali descritas são fatos reais, que nos afetam direta ou indiretamente e por isso  despertam interesse e curiosidade.

(...)
Em agosto, por ser o mês do Folclore, aproveitei a coluna “Frio na Espinha” do Jornal União”, para trabalhar com as histórias de assombração, pois essas histórias também fazem parte do nosso folclore,  povoando a imaginação de muitas crianças e adultos. No início desse trabalho, propus  o assunto para os alunos  para ver como seria a reação deles,  pois não é comum as crianças de hoje ouvirem esses “causos” como eram conhecidos antigamente e que fizeram parte da minha infância e da infância de tantas crianças. Comecei a trabalhar com esses textos  e me surpreendi com o interesse dos alunos que começaram também a envolver os pais e os avós para saberem mais sobre essas histórias. Os relatos que eles mais gostaram foram “ Fantasmas de bebês não- batizados na Jaguatirica” e “Ela queria voltar para casa”. 

O assunto foi contagiando a turma toda e cada dia alguém chegava com uma história diferente sobre assombrações, para contar aos colegas. Acho que o mais interessante foi esse resgate de um costume tão antigo, onde toda a família  sentava-se após o jantar e passavam horas contando esses causos que ficaram para sempre na memória das crianças daquela época.

Precisamos fazer com que nossas crianças conheçam e valorizem o nosso folclore, os costumes da nossa gente, pois quando lhes damos espaço para falar, percebemos o quanto esse povo tem a nos ensinar. 
**


Fui até a escola, ontem, e descobri que os alunos encenam as histórias, visitam as outras turmas para contar aos colegas e ficam ansiosos pelo dia que o jornal chega. Estimularam os pais a relembrar as lendas da infância e inventam as próprias narrativas. Ou seja, é um caso em que o jornal efetivamente contribui com o processo educacional - num ramo, a literatura, cada vez mais tortuoso de ser trabalhado em sala de aula. Firmei compromisso, com a diretora Valquíria (meio), a supervisora Edicléia (esquerda), a professora Ivone (direita) e a falecida professora Zavatski (ao fundo, em névoa), de voltar lá e contar outras histórias de assombração para a criançada.