quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Não, você não tem o direito de ser "contra os gays"

Na barrafunda que se tornou o debate eleitoral desse segundo turno, as cartadas mais retrógradas envolveram os homossexuais brasileiros. Se já não bastasse a cretinice de reduzir o problema do aborto ao interesse das medievais posições de alguns grupos religiosos, os candidatos resolveram atacar questões de gênero.
Primeiro Dilma assina um documento dizendo ser antipática ao casamento gay. Tolerável para qualquer segmento religioso legitimamente representado na sociedade. Vergonhoso para quem se pretende chefe de estado, líder de todos os brasileiros - inclusive (e principalmente, no caso de uma candidata suportada por discursos progressistas) os gays.
Mas o pior mesmo foi Serra dizer que vai "vetar", caso eleito, a lei que considera crime a homofobia.
A demagogia tucana diz que a lei acaba criminalizando quem tem posições religiosas sobre o assunto e dá a coisa por encerrada.
Ora, argumento semelhante pode ser aplicado para outras práticas religiosas, felizmente das quais estamos livres. Por exemplo, não podemos condenar os rituais que consistem em cortar o clitóris de crianças,como ocorre em alguns lugares do Afeganistão. Apedrejar até a morte as mulheres infiéis é outra recorrência em nome de Deus.
Os fanáticos dirão que o cristianismo não faz qualquer uma dessas coisas, o que reduz a liberdade religiosa aos caprichos dos políticos cristãos que conduzem os interesses desse ramo religioso num país como o Brasil. Os relativistas dirão que há uma distância muito grande em condenar os gays e mandar castrá-los ou apedrejá-los.
Tamanha cegueira se dá por dois motivos principais: crueldade e ignorância. A primeira porque odiar faz parte da militância. Você só é "desse" grupo porque não é "daquele". A identidade cristã, como qualquer outra, se vale dos contrastes. "Você é gay?" e a resposta: "Não, pois sou de Jesus". O caminho do conflito institucionalmente reconhecido é o do linchamento, moral e prático.
A segunda é que alguns "intelectuais" decoraram umas frases feitas politicamente corretas sobre o direito à fé, absolutizando qualquer escolha religiosa como legítima. E isso é falta de estudar, no mínimo. O Estado não é ateu, sem dúvida, mas não pode se submeter a lógicas irracionais e excludentes só porque as pessoas tem o direito de rezar, conversar com gente morta ou esperar Jesus voltar cavalgando no Pégasus com o mjelgornin na mão.
Sendo que a tradição machista que pauta boa parte das religiões, inclusive segmentos relevantes do cristianismo, referendada por umas três passagens obscuras da Bíblia, diz que ser gay é errado, devemos tolerar que os cristãos sejam intolerantes com o homossexualismo?
Claro que não.
Homofobia é crime.
Assim como racismo. Houve um tempo que a maior parte das religiões ocidentais tinha certeza que o negro não era merecedor de alma. Podemos achar dezenas de trechos bíblicos que, interpretados do jeito que o cliente quiser, abonam atitudes racistas (até a idéia de que há um "povo escolhido").
Qual é a solução? Ou a religião muda de idéia ou é repreendida (nesse assunto, que fique bem claro). Se ela não muda de idéia, é porque se considera maior que o estado, maior que a civilização.
Então é inimiga da democracia.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Problema dos cristãos aborta debate político

Serra e Dilma têm o mesmo posicionamento sobre o aborto. É provável, inclusive, que José Serra, tendo ocupado a cadeira de Ministro da Saúde, seja ainda mais rigoroso sobre o assunto do que sua companheira/adversária no pleito presidencial. Sabe que é uma questão urgente de saúde pública.

Na verdade, tanto faz o que um e outro pensa, uma vez que a) eles não concorrem a cargos legislativos e o movimento contra a legalização de determinadas situações de aborto já está sob controle de uma bancada evangélica cada vez mais forte, além de sujeita à covardia política e intelectual da maioria dos senadores e deputados, incapaz de enfrentar o que consideram ser "a opinião pública"; b) a única questão em jogo é o uso de seus posições particulares como estratégia de marketing político, o que não se confunde com política, propriamente dita.

O problema é que, mais uma vez, há um empobrecimento da agenda política. Pode até ser que uma questão menor (fundamental, mas paralela) da realidade nacional decida a eleição mais importante do país.
Essa é, pelo menos e desastrosamente, uma oportunidade de verificar in loco a promiscuidade entre religião e estado, atravessando o polianismo de que a simples menção constituinte assegura a laicidade de nossas instituições.

A prova de que isso acontece está na forma como, astutamente, o PSDB promoveu uma cola entre a questão do aborto e a candidata petista, e ao mesmo tempo conseguiu retirar o tema da agenda de seu proponente. Por outro lado, agora Dilma corre atrás dos "valores cristãos" para compensar o prejuízo.

Ou seja, a substância do problema - o Estado deve regulamentar o aborto ou não - nem é importante. Importante é agradar "uma parcela significativa do eleitorado". E essa parte importante está em franca campanha de tomada do Congresso. Acha exagero? Leia "Plano de Deus", de Edir Macedo.

Terminada a eleição, Serra e Dilma continuarão, em conversas "adultas", defendendo o papel do Estado nessa delicada questão de Saúde. Mas nem vão precisar se posicionar publicamente, já que todos sabemos que o assunto vai morrer rapidinho e até políticos que também são pastores ou médicos correrão atrás dos estádios para a Copa do Mundo.

O único aborto que interessa é o das chances do adversário político.