sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Trecho de artigo para o Congresso Internacional de Ciências da Religião

Participarei do 5o Congresso Internacional de Ciências da Religião e 12a Semana de Estudos da Religião, que serão realizados em Goiânia no final de setembro, com duas contribuições.

A mais relevante, suponho, é relativa aos primeiros resultados do grupo de pesquisa que coordeno na UniBrasil e conta com a valiosa participação das bolsistas de iniciação científica Larissa Ilaídes, Evelyn Arendt e Anne Louyse Araújo: um panorama de TODAS as pesquisas sobre mídia e religião realizadas no país desde 1996 nos cursos de mestrado e doutorado em Comunicação.

A outra é uma reflexão que venho tentando aprimorar sobre estratégias discursivas do pastor da Primeira Igreja Batista de Curitiba, Paschoal Piragine Jr. (esse ao lado), na defesa de posições recriminadas pela cultura midiática contemporânea - como a condenação ao homossexualismo.

Publico aqui um trecho desse segundo esforço, ainda inédito.

Contrabandos pastorais e algumas questões de dispositivo

Resumo:
A reflexão procura identificar afetações da mídia sobre o campo da religião, haja vista deslocamentos de sentidos que porventura ocorram antes e apesar dos fenômenos caracterizadores da chamada sociedade midiática. Trata-se de percorrer elementos de um processo interacional oral/escrito para o midiático a partir de sermão empreendido pelo pastor da 1ª Igreja Batista de Curitiba (PR). A forma como o pastor constrói o discurso, ciente da possível midiatização do episódio, pode fornecer pistas das estratégias discursivas empreendidas por atores individuais no mundo contemporâneo. O campo da religião ajuda a problematizar o objeto próprio da Comunicação, já que nesse caso lidamos com construções simbólicas erigidas de forma independente, por vezes contrastante, ao predomínio das mídias no tecido social.

Além da crítica e da defesa

Como todo sistema, a religião constitui um universo próprio, portanto auto e heterorreferente, que assimila, recusa e dialoga com a influência de outros campos em um jogo através do qual frutifica sua própria sobrevivência.

No entanto, no que se refere especificamente à religião cristã, a literatura aponta para uma tensão especial na interface com fenômenos descritos como próprios da modernidade, entre eles a mídia.

Afetado pela midiatização, o discurso religioso constantemente identifica os meios de comunicação como dispositivos malignos ou perigosos, não obstante a cada vez mais profunda relação entre religião e mídia. Embora observado, intuito ou narrado, esse tensionamento não tem sido suficientemente explicado. No Brasil, a maior parte das reflexões acadêmicas prefere abordar o tema pela perspectiva da presença institucional da Igreja nos mecanismos midiáticos, como nas análises de performance das católicas Rede Vida e Canção Nova, ou adotar uma perspectiva crítica a priori, como nas muitas dissertações e teses em que o objeto é relacionado à Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) ou denominações neopentecostais (Folquening, Araújo, Arendt & Ilaídes, 2011).

A questão, portanto, passa pelas peculiaridades do relacionamento da religião com o processo de midiatização – mais do que simplesmente com a mídia – sem recorrer necessariamente aos usos explícitos que as instituições religiosas fazem do aparato tecnológico dos meios de comunicação.

Talvez a tensão possa ser analisada a partir de três processos de reconfiguração simbólica: o comportamento dos atores individuais na forma de contrabandos de mensagens cristãs para dentro das lógicas próprias dos dispositivos mediáticos; a desvinculação entre o sentido “sagrado” do objeto e seu suporte; a adoção de um “terceiro tempo” de condução dos produtos de mídia como sinalizador do “transbordamento” dos dispositivos mediáticos para o cotidiano da igreja presencial.

Cabe aqui ressaltar que a escolha pela religião como interlocutora das peculiaridades da mediatização responde não mais do que a uma questão de “grandeza de campo”. Como poucos outros, o campo da religião (Bourdieu, 1990) é um sistema complexo e historicamente solidificado. Suas assimilações, recusas e adaptações ao mediático ocorrem em uma dimensão obviamente diferente daquelas ações de interface proporcionadas por campos mais recentes, em construção ou de naturezas dispersas. Aliás, no que tange particularmente ao cristianismo, cuja fundação e desenvolvimento ocorrem no interior de um sistema interacional de referência escrito (a “Palavra” é a consolidação da Bíblia como documento sagrado), os traumas e desencontros próprios de um ambiente em transformação (a passagem da cultura escrita para a mediática) solicitam estratégias e adaptações muito particulares e que podem nos fornecer pistas sobre a persistência de instituições fundadoras na sociedade contemporânea.

            A forma de abordagem ocorrida a esta pesquisa atende à compreensão de que o campo da Comunicação é propício à detecção indiciária de seus objetos através, inclusive, de um processo exploratório de observáveis múltiplos; leitura em grande parte inspirada na percepção abdutiva de Carlo Ginzburg (2004, 2007) e na leitura da Comunicação como disciplina indiciária, desenvolvida por Braga (2008). 

Referências desse trecho:

  • BOURDIEU, Pierre. A dissolução do religioso. In: Coisas Ditas. SP: Brasiliense, 1990.
  • BRAGA, José L. Mediatização como processo interacional de referência. Em: Médola, Ana Sílvia, Denize Araújo e Fernanda Bruno (orgs). Imagem, Visibilidade e Cultura Midiática (Livro Compós 2007), p. 141-167. Porto Alegre: Editora Sulina, 2007.
  • BRAGA, José L. Comunicação, disciplina indiciária. Revista Matrizes, vol. 1, série 2, p. 73-88. São Paulo: USP, 2008.
  • FOLQUENING, Victor; ARAÚJO, Anne Louyse, ARENDT, Evelyn; ILAÍDES, Larissa. Panorama das pesquisas sobre a relação Mídia e Religião realizadas nos cursos de Mestrado e Doutorado em Comunicação entre 2006 e 2011. Artigo para o V Congresso Internacional em Ciências da Religião e XII Semana de Estudos da Religião. Pontifícia Universidade Católica de Goiânia. Setembro de 2011.
  • GINZBURG, Carlo. Chaves do mistério: Morelli, Freud e Sherlock Holmes. Em: Eco, Umberto e Sebeok, Thomas. O signo de três. SP: Perspectiva, 2004.
  • GINZBURG, Carlo. O fio e os rastros. SP: Companhia das Letras, 2007.


Nenhum comentário:

Postar um comentário