sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Frio na Espinha Especial: nostalgia dos anos 80.

Essas são a primeira e segunda partes de cinco na novelinha que publicamos amanhã na sessão Frio na Espinha, do Jornal União. Ao longo da história, algumas reconstituições dos anos 80 e uma nostalgia do medo infantil que nos eletrizava naqueles longíquos caminhos da infância.

Benett ilustra a novela. É como se Turner desenhasse a embalagem de Ki-Boa ou se Mozart fosse o autor da trilha sonora original de Motoqueiro Fantasma ou se David Remnick fosse editor do jornal que aprovasse a campanha "Pais sem Avós é Neto Órfão".

Aqui duas das cinco lindas ilustrações. Esses somos eu e ele em 1986. Creia-me.

NÃO LEIA ESSE LIVRO!
História de Victor F.
Ilustrações de Benett M.


I.

Agora, sentado em frente à estante de livros do colégio Nilce Terezinha Zanetti, o jornalista sente o medo paralisar cada junta dos dedos. A mão está congelada no ar, a poucos centímetros da lombada daquela brochura. A professora que veio entrevistar já está na sala. Ele nem percebe.

É o mesmo livro. E todo o sarcasmo que Emanoel construiu ao longo da vida parece ter se voltado contra ele. Deixara de acreditar nessas coisas no meio da adolescência. O que era medo, passou a diversão e agora é tédio: convenceu-se de que não existe isso de espíritos ou de maldições que acompanham as pessoas.

Mas está ali, na escola de uma localidade rural de Campina Grande do Sul. Voltou para ele. Não entende como. Só sabe que não deve ler. Não deve pronunciar as frases que trouxeram tanto medo no raiar da adolescência.

Não é fácil resistir. Sente como se a confirmação de seus pesadelos juvenis fosse uma obrigação. Basta que tenha coragem e abra o volume, leia cada linha até o fim e perceba, no meio do texto, que os terríveis acontecimentos de 26 anos atrás, a mais de 150 quilômetros de distância, continuam rondando sua vida.


II.

Há 26 anos, ele era aluno da sexta série do colégio estadual Professora Elzira Correia de Sá. Uma quinta-feira qualquer, em que o mormaço tirava ainda mais a cor das pálidas casas padronizadas do núcleo residencial Santa Paula, ressaltando o barro que subia lentamente pelos muros pré-fabricados, ele e seu melhor amigo resolveram gazear aula para explorar os sebos do centro de Ponta Grossa. Muitas moedas andavam sobrando para seus bolsos porque, nos últimos dias, o leite acabava na vigésima pessoa da fila armada às 5 da manhã em frente ao supermercado. Era época do famoso “desabastecimento”. Munidos de trocados, torciam para encontrar, no meio de velhas estantes empoeiradas, as pechinchas milagrosas em forma de livros de terror.

Aos 12 anos, pouca coisa fascinava mais Emanoel e Alberto do que lendas que tirassem o sono e inspirassem novos contos, enredos que se tornariam histórias em quadrinhos, desenhadas à lápis naqueles cadernos azuis da Fundepar, e trocadas com os colegas pela bagatela de duas ou três canetas (pretas, para parecer nanquim), figurinhas de futebol ou gibis variados, de preferência também de terror.

Pegaram o ônibus no ponto final. Quando dobraram a esquina da rua Castanheira, que se finda no colégio, eles grudaram no vidro para olhar, sarcásticos, para os colegas que não tiveram a mesma coragem de fugir dos professores. Mas tudo parecia vazio. Ninguém no pátio principal. Ninguém na cancha, onde naquele momento a turma deveria começar o aquecimento para a modorrenta aula de Educação Física. “Ué, será que é feriado?”

Não era. Logo depois que o ônibus ultrapassou os prédios principais do colégio, os dois amigos conseguiram ver, por poucos segundos, uma incrível concentração de pessoas. Parecia que todos os alunos estavam atrás do último bloco, andando devagar, em completo silêncio. Dezenas, centenas de crianças, compartilhando os poucos metros da calçada dos fundos do Elzira Correia de Sá.


A curiosidade provocada pela cena logo foi substituída pela conversa sobre os livros, gibis e discos de vinil que gostariam de encontrar. No centro de Ponta Grossa, gastaram os tênis Olimpikus estilo naútico, sem cordão, que eram moda acessível às crianças da periferia nos anos 80. Começaram pelas bancas de revistas e não resistiram checar os cartazes em frente aos cinemas Inajá, Império e Ópera. Um anúncio promissor: dali poucos meses seria exibido Aliens – O Resgate! Melhor: uma plaquinha já indicava a restrição a menores de 16 anos, o que prometia sangue, violência e, quem sabe, uma pitada de mulheres peladas. E não seria a primeira vez que o bilheteiro os deixaria passar.

Terminaram o circuito nos sebos, o auge da aventura urbana. No último, instalado no beco entre dois prédios que nem existem mais, as únicas aquisições razoáveis do dia. Duas edições rasuradas da revista Crypta, um disco bastante riscado do cantor Z. Z. Hill e um livro marrom, edição original dos anos 50, chamado “Frio na Espinha”. Na primeira página, uma advertência que transformou a obra em imperdível, valendo os poucos cruzados que demoravam semanas para economizar: “Se não é autorizado a se comunicar com Eles, ordenamos que pare de ler esse livro”.

(Continua...)

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