segunda-feira, 6 de junho de 2011

Usar as palavras, quem diria, dá melhores empregos

Essa é para aqueles que aposentaram a língua como ferramenta privilegiada de trabalho.
Quem sabe escrever e, especialmente, tem senso de humor, pode se sair muito bem nesse mundo cada vez mais dominado, aí na superfície, por essa estética careta, pobremente publicitária e mau humorada.
A matéria é do New York Times e foi escrita por Sally Ryan.

GROUPON USA PALAVRA E COMÉDIA PARA VENDER

CHICAGO - Ou a Groupon está criando uma nova abordagem ao comércio que mudará o modo como comemos, compramos e interagimos com o mundo físico, ou é um sinal de que a mania da internet está, mais uma vez, saindo do controle. Ou ambos.
Essa empresa sediada em Chicago oferece descontos em produtos e serviços -um modelo empresarial que novatas da internet tentaram desenvolver. Mas a Groupon tem mais de US$ 1 bilhão em receitas anuais nos EUA e no exterior e cerca de 50 milhões de assinantes em 35 países. A novidade da Groupon? Nem tanto os negócios, quanto um ingrediente que é improvável e efêmero: palavras.
"As pessoas ficaram insensíveis aos elementos da publicidade que lidam com seus medos e com suas esperanças, que insultam sua inteligência com abordagens seguras e mornas da criatividade", diz Aaron With, editor-chefe da Groupon. "Nós misturamos negócios com arte e criamos nossa voz."
A Voz. Segundo a Groupon, é a ela que os assinantes respondem, tanto quanto ao negócio em si. A Groupon emprestou algumas ferramentas e alguns termos do jornalismo, aliviou a mão tradicionalmente pesada da publicidade, acrescentou um pouco de bom humor e atitude e casou o resultado com um negócio com desconto.
"Trinta por cento dos nossos assinantes ganham mais de US$ 100 mil por ano", diz With. "Eles não precisam de um desconto de US$ 20 em um restaurante." A companhia rejeita ser considerada uma agência de publicidade, responsável por promover pizza e sushi baratos para qualquer um que queira contratá-la. A esperança, em vez disso, é que seus usuários a vejam como um guia imparcial de uma cidade ou um bairro, um pouco como o caderno de fim de semana do jornal local.
Hoje, existem centenas de imitadores, alguns deles tentando solapar a original cobrando do comerciante menos do que a Groupon; a concorrente mais próxima da Groupon, Living Social, é apoiada pela Amazon, a gigante do varejo. "Não estamos nem um pouco preocupados que qualquer concorrente apareça e comece a escrever como nós", diz With. "Eles tentam, mas fracassam."
Mas a Groupon conseguiu comprar imitadoras no exterior, ajudando a construir uma rede global notável em tempo recorde. Quase todo mundo na equipe editorial da Groupon, de mais de 400 pessoas, tem menos de 30 anos. O próprio With tem 29 e nenhuma experiência em jornalismo ou marketing: trabalhava para uma organização sem fins lucrativos de Chicago e, mais importante, já tocou em uma banda com Andrew Mason, o executivo-chefe da Groupon.
"Muitos redatores profissionais se candidatam aqui. Eu já tive interessados da Rolling Stone, do Wall Street Journal", disse Keith Griffith, diretor de pessoal. "Mas é difícil que eles façam o que nós realmente procuramos. É mais fácil ensinar as pessoas do que desensiná-las."
Uma das perguntas que a Groupon faz aos candidatos a funcionários:
Qual é a maneira mais interessante de descrever um candelabro de 2.500 quilos?
A. Um espetáculo à parte.
B. Mais brilhante que uma árvore de Natal estudiosa.
C. Uma armadilha mortal.
D. Realmente grande e brilhante.
Não muita gente passa no teste -a resposta certa é B- ou se sai bem na redação de amostra.
Outro motivo pelo qual o emprego atrai mais jovens é porque o salário de novos redatores não tem nada de extravagante -cerca de US$ 37 mil por ano. Whitney Holmes, uma editora sênior de 27 anos que é poeta e diplomada em belas artes pela Universidade do Alabama, é encarregada de ensinar a Voz aos recrutas. "Inspiração é um monte de besteira", diz Holmes. "Você pode ensinar alguém a juntar coisas que são engraçadas."
Dirigindo-se a uma nova safra de redatores em uma sessão de treinamento, ela busca primeiro tranquilizá-los. "Conseguir a Voz da Groupon não tem a ver com ser inerentemente engraçado. Se fosse assim, 93% de nossos redatores não teriam emprego", ela diz.
Os redatores riem sem graça. Holmes os conduz em um giro rápido sobre a história e a teoria do humor. Um exemplo de utilização bem sucedida da Voz da Groupon para um serviço de ioga e massagem: "O mundo moderno de hoje, com sua pletora de países, panóplia de vias aquáticas e leis em constante mudança sobre o que é e não é fraude postal, é tão confuso quanto estressante. Tenha uma definição clara de relaxamento com a Groupon hoje."
Para um dentista: "A fada do dente é uma fetichista invasora especializada em comércio de marfim no mercado negro e precisa ser detida. A Groupon ajuda a manter dentes nas bocas e fora das mãos de fantasmas alados maníacos."
Holmes diz: "Toda piada tem uma proposta e uma recompensa. Se a proposta é confusa, a recompensa não chega".
Infelizmente, às vezes, a recompensa pela empresa que oferece o serviço desaparece na confusão de palavras. Restaurantes foram inundados por Groupons bem-sucedidos em que são obrigados a vender muitas refeições por um preço baixo demais. Além disso, diante da velocidade de suas aquisições no exterior, a Groupon estabeleceu um controle de qualidade limitado sobre os negócios fechados com as empresas locais.
Ainda assim, o Google tentou comprar a Groupon em dezembro por supostos US$ 6 bilhões. Era uma quantia enorme para uma empresa de dois anos, mas foi um negócio que a Groupon não gostou.
Em vez disso, recebeu dinheiro para se expandir -US$ 950 milhões- através de mais uma rodada de financiamento de capital de risco.
A Groupon gaba-se de um processo editorial demorado. Depois que um texto está pronto, ele vai para verificação de fatos. Depois vai para o editor da Voz, Ben Kobold, que, na tradição de todos os editores, olha para o texto, suspira, se encolhe em sua cadeira e, muitas vezes, passa a reescrever a maior parte dele.
Então, um improviso vem de um dos quatro redatores de humor do Groupon. Quanto mais você conseguir rir com a Groupon, mais você gostará dela. Ou é isso que a companhia espera.
"Com a chegada da temporada de concertos de piano, fingir a própria morte está ficando cada vez mais popular", começava um improviso recente. Cartas iradas se seguiram. Cullen Crawford, o redator, balança a cabeça. "Só porque tinha a palavra 'morte'?", explica. Parece que a Groupon preencherá os maiores sonhos de seus investidores e primeiros funcionários abrindo seu capital no ano que vem. A oferta poderá avaliar a empresa em US$ 25 bilhões, o que cobriria a estreia do Google em 2004 como a mais rica da internet.
Talvez em retrospectiva, essa soma pareça um grande negócio, como foi o do Google. Ou talvez seja a melhor piada da Groupon em todos os tempos.

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