terça-feira, 14 de junho de 2011

Espíritos que pegam carona

Histórias de fantasmas que pegam carona em carros ou cavalos são comuns no imaginário popular. Mas o que acontece até hoje na Estrada do Cupim, em Campina Grande do Sul, desafia os céticos e provoca arrepios nas muitas pessoas que juram ter levado na garupa, caçamba ou banco de passageiro gente que apareceu repentinamente durante a viagem. E que desapareceu antes do fim da jornada, num piscar de olhos.
Alguém pode pensar que os caroneiros são sujeitos muito vivos que montam furtivamente nos cavalos e alcançam os carros quando eles diminuem a velocidade. Pois escute a história a seguir.
Moradores mais antigos da região se lembram do drama vivido por uma família inteira, os Basinski, no início dos anos 60. Dois irmãos, agricultores, homens adultos e trabalhadores, percorriam em dias diferentes o mesmo caminho: uma via viscinal, paralela à Estrada do Cupim, que hoje se apagou transformada em pasto.


Os dois passaram pela mesma situação aterrorizante. Os dois guardaram segredo até perto da fim da vida, temendo que fossem vistos como loucos ou bêbados pelos parentes e vizinhos. Mas cada um deles, tomados por uma doença implacável que definhava os músculos das pernas e braços, acabou confessando no leito de morte os pesadelos que se instalaram na consciência desde aquelas noites tenebrosas de meados do século passado.
Carlos, o caçula, mal tinha completado 18 anos quando assumiu o papel de buscar secos e molhados na sede do município. A volta das compras era tarde da noite e o caminho jamais lhe pareceu perigoso. Era apenas escuro e vibrante por causa do farfalhar dos galhos e assobios dos animais insones. Naquele dia 15 de junho de 1960, Carlos demorou mais para chegar à chácara. No alto do elevado, onde a rua de terra cruzava com a Estrada do Cupim, o cavalo começou a diminuir o passo. Na verdade, mais do que isso: parecia lutar para correr dali, mas dava a impressão que um enorme peso segurava o animal, como se cordas ou correntes o amarrassem ao solo.
Cansado, naquela escuridão, começou a açoitar o cavalo com impaciência. O animal gritou como se o pequeno chicote estivesse cravejado de espinhos. Carlos olhou para trás… e se arrependeu. Abriu a boca para berrar, mas a voz não saiu. Caiu, desmaiado, na relva. Horas depois, a família foi ao seu encontro, preocupada com a demora. Encontrou o jovem cavaleiro sentado no chão, trêmulo. E o cavalo, morto de exaustão.
Um ano depois, o primogênito Ismael já havia se acostumado com as viagens para compras. Embora nunca tivesse contado o que vira, Carlos se recusava a desafiar a escuridão daquelas passagens. Aos 30 anos, Ismael era o natural herdeiro da chácara, responsável por cuidar de tudo, até dos misteriosos melindres do caçula.

Ele nem percebeu o aniversário infame. Era 15 de junho de 1961. O vento cortava o campo e o inverno já havia se instalado em Campina Grande do Sul. O orvalho mal descongelou durante o dia e o frio da noite envolvia quem se arriscava a cavalgar.
Por volta das 8 da noite, o cavalo de Ismael parou. Exatamente no alto do aclive, bem no lugar em que Carlos viveu seu maior tormento. “Mas que diabo!”, praguejou o agricultor. Dessa vez, nem houve açoite. O animal chorava de dor e levantava as patas dianteiras, desesperado para fugir. Ismael virou o rosto corajosamente. E no meio da cerração começou a distinguir uma lustrosa placa de madeira marrom, com detalhes prateados que brilhavam ao escapar da névoa. Firmando os olhos, percebeu também uma cruz no tampo… o cavalo de Ismael estava puxando um caixão!
As pernas bambas e o pânico não foram suficientes para derrubar o cavaleiro. Ele saltou e colocou as mãos na grossa corda que se confundia com as ancas da sua condução. Pareciam porosas. Não teve coragem de tocar o féretro, que aos poucos sumia na escuridão. Mas queria olhar pela placa envidraçada na cabeceira. Aproximou-se cambaleante, tropeçou e acabou de joelhos, com as mãos na janela, encarando sem escolha o corpo que ali jazia.
O que viu naquele instante jamais saiu da sua cabeça, nem por um minuto. Deitado no caixão, com os olhos vidrados e secos, a boca retorcida, face pálida sob o vidro, estava Carlos, o irmão de Ismael.

* O texto é do Jornal União, de Campina Grande do Sul, edição da segunda semana de junho.

2 comentários:

  1. Ah, ficou bem melhor o link pro site.
    E ainda reduzido, que show!
    Adorei o post de histórias sobre CGS às 05:08 da manhã. Parabéns!

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  2. Senhor da Glória, eu devo estar ficando velha, tive que criar um blog pra postar um comentário é isso? AFFF!!!

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