quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Manual de alpinismo social, por Xico Sá.

Tirei da Folha de S. Paulo. Texto publicado anteontem no blog do Xico Sá. http://xicosa.folha.blog.uol.com.br/

Verás que muita gente sua conhecida segue rigorosamente o manual de alpinismo social. Em especial aqueles tópicos sobre metáforas manjadas, ruminações prontas, assassinato da ironia e bajulação. Com destaque para o chorozinho sensível à moda de uma Clarice Lispector, quiçá letrista de Cláudia Leite.

Olhe o twitter: muita gente ensinando como "usar as redes como cartão de visita profissional", na teoria e na prática. E algumas originalíssimas frases de efeito para adoçar o treinamento.

Ideias, que são boas, nem de longe!


15/08/2011
Breve manual de alpinismo social

No celebre conto “Teoria do Medalhão”, o pai aconselha o filho, o abestalhado Janjão, 21, como triunfar na vida, seja no parlamento, na magistratura, na imprensa, na lavoura, na indústria, no comércio, nas letras ou nas artes.

Entre os conselhos, como a arte da bajulação e a queda pelo foguetório da publicidade, alerta o donzelo sobre a esperteza de ter sempre na manga do paletó uma função de reserva, para o caso de não prosperar no ramo profissional desejado.

 “...assim como e de boa economia guardar um pão para a velhice, assim também é de boa prática social acautelar um ofício para a hipótese d que os outros falhem, ou não indenizem suficientemente o esforço da nossa ambição,” soprou o velho para o jovem almofadinha.

O sonho maior é ser um medalhão, mas se não der, por que não tornar-se apenas um bom advogado?...
Se não der em um bom advogado, por que não ganhar a vida como um um rábula de porta-de-cadeia?

O mesmo vale nos dias de hoje nas raias da cultura, do entretenimento e da fama. Não conseguiu emplacar como um bom ator? Ora, grave um disco. Não conseguiu brilhar como cantora? Não faz mal. Tente ser apresentadora de programa infantil...

Faltou financiamento para o cinema? Bem-vindo ao jornalismo.

Baseado na teoria do conto machadiano, este escriba, que acabou nas redações por falhar seguidas vezes no concurso do Banco do Brasil -sonho de toda mãe do interior- deixa seus conselhos, ou melhor, pitacos à bagatela,  para aqueles que procuram fugir do atoleiro das obscuridades, independentemente dos ofícios que adotem:

Nome próprio – Não careces enfiar tantos ll dobrados, kk, ys e quetais, mas é bom que tenhas um batismo artístico curtinho. Em 1942, Mário de Andrade já alertava o então Fernando Tavares Sabino, que derramara no papel os primeiros contos, a cortar um dos sobrenomes. Dito e feito.

Ideias – “O melhor será não as ter absolutamente”, como diz o pai do Janjão, o mancebo citado ai acima.

Ironia – Eis o ímã para chamar inimigos e puxadores-de-tapete aos borbotões. Nem diante do espelho deves ensaiar este movimento de canto de boca, recurso inventado, segundo o pai de Janjão, por algum grego da decadência.

Frases feitas -  Abuse destas. Por que chaplinhar no lodo das locuções próprias se podemos ofertar aos ouvidos alheios sentenças consagradas, decifradas, redondas, macias e compreensíveis?

Citações – A depender do auditório. Como todo bom mineiro sabe, em terra de sapo... de cócora com ele. Em um ambiente sério e respeitoso, Shakespeare, sempre Shakespeare; entre mulheres e gays, Wilde, muito Oscar Wilde...

Importante: não te apresses a dizer o nome do feliz proprietário da frase, omita-o. Para quem sabe a autoria, não haverá nenhum pecado nisso; e aos ouvidos dos tolos, soará como uma boutade de sua mente privilegiada. Arrancarás suspiros!

Metáforas – Somente as ululantes. Abre-se uma exceção para aquelas de origem no  futebol, no ludopédio. 

Bajulação – Não te limites a acariciar os chefes, críticos e demais pessoas que possam te ajudar neste alpinismo profissional apenas com os adjetivos da submissão e da mesquinhez.

Mimos retóricos não bastam -nem mesmo quando embutem um certo jabá do erotismo e do assédio. Estas criaturas-degraus devem ser tratadas a pão de ló e caros presentes, não te envergonhes e trate-os além muito além das tuas próprias posses.

Metafísica de mulherzinha – Excelente, indispensável. Trata-se daquele discurso pseudo ou sub-Clarice Lispector, com um pouco de sub-Fernando Pessoa, com o qual, sendo tu fêmea ou não, escriba ou não, narras as tuas dúvidas e inseguranças mais comezinhas, teus lunduns telefônicos, teus queixumes de banheiro, tuas incomunicabilidades de TPM, teus eus perdidos que enchem o saco de todos os nossos outros eus.

Boa sorte na escalada!

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